Depois de considerar diversos possíveis locais, a marinha dos Estados Unidos anunciou no mês passado que instalaria seu novo centro de treinamento para a guerra submarina nas águas ao largo de Jacksonville, na costa da Flórida. Mas ainda que o centro só deva iniciar suas operações em 2014, as forças armadas já estão enfrentando problemas com os vizinhos. Isso se deve ao fato de a área escolhida para o novo Centro de Treinamento para a Guerra Submarina estar a apenas 50 quilômetros do único local conhecido de procriação para a baleia-franca do Atlântico Norte.
Restam apenas entre 300 e 350 baleias-francas do Atlântico Norte. A União Internacional pela Conservação da Natureza classifica a espécie como em risco, o que significa que ela enfrenta “risco muito elevado de extinção em seu ambiente natural”. Diversas organizações ecológicas estão contestando a escolha da marinha, afirmando que o projeto pode se provar desastroso para as baleias.
“Para as baleias-francas, é difícil imaginar que o projeto pudesse ser instalado em local pior”, disse Taryn Kiekow, advogado do Conselho de Defesa dos Recursos Naturais, um “grupo de ação ambiental” norte-americano.
A marinha rebate afirmando que um estudo de impacto ambiental já foi conduzido e que o local para a nova base já conta com a aprovação do Serviço Nacional de Recursos Marinhos dos Estados Unidos.
“A opinião biológica dos especialistas é a de que a construção e operação do campo de treinamento não constituirá ameaça para a existência continuada de quaisquer espécies protegidas que vivam na área – e isso inclui as baleias-francas”, disse Jim Lecky, diretor da divisão de recursos naturais protegidos no serviço de recursos marinhos.
“O estudo também concluiu que o centro de treinamento não teria impacto adverso e nem destruiria habitates críticos, e a baleia-franca é a única espécie que tem um habitat crítico próximo da área de construção”.
Para criar seu centro de treinamento, a Marinha planeja instalar sensores e cabos de comunicação em uma área de 1,5 mil quilômetros quadrados da plataforma continental; os dados recolhidos na área serão transmitidos a uma base próxima, em Mayport, e permitirão que a Marinha acompanhe todos os movimentos submarinos na área, enquanto navios de superfície trabalham em cooperação com helicópteros e aviões de patrulha P-3 Orion – um aparelho turboélice de 11 tripulantes usado no combate a submarinos – para localizar, rastrear e “destruir” alvos submarinos com o uso de torpedos não explosivos e outras formas de munição.
Uma modelagem tridimensional dos movimentos, ao final de cada missão, permitirá “reconstruir passo a passo o que o nosso pessoal fez corretamente, o que eles fizeram de errado e o que é possível fazer para melhorar”, disse Jene Nissen, antigo especialista em combate a submarinos, na marinha, e hoje encarregado da divisão de acústica ambiental desse serviço.
O local na Flórida é ideal para o centro de treinamento, disse Nissen, porque é uma posição perfeita para ensinar os marinhos a localizar até mesmo os mais silenciosos submarinos a diesel, em águas próximas à costa e repletas de ruídos de navios comerciais, ondas e da fauna. O local também fica próximo das bases dos navios e aviões utilizados para esses exercícios de treinamento.
Construir o campo de treinamento em outro dos locais possíveis implicaria em gerar grandes despesas porque requereria que veículos, peças de reposição e pessoal estivessem na estrada por períodos prolongados. Também significaria que os marinheiros, que já passam boa parte do ano longe de seus lares, veriam suas famílias ainda menos do que é o caso quando estão se exercitando perto de Jacksonville.
“Passei 21 anos concentrado na missão de perseguir submarinos, e ela é provavelmente a atividade mais difícil que a marinha tem de executar”, disse Nissen. “Nós temos obrigações para com os nossos marinheiros e é preciso que seu treinamento seja o mais efetivo possível, antes que os enviemos ao exterior e a posições de potencial risco. E é isso que o centro de treinamento permitirá fazer”. Uma única morte poderia significar catástrofe.
Mas os críticos dizem que construir o centro de treinamento perto de Jacksonville faria com que os navios vindos de Mayport e de Kings Bay, na Geórgia, para os exercícios atravessassem diretamente a área usada pelas baleias para procriação. Esse polo de procriação é especialmente vital para a espécie, porque sua população é muito pequena, de acordo com os conservacionistas. No passado sujeitas à exploração comercial predatória, hoje o maior perigo para as baleias são colisões com navios ou com equipamentos de pesca ou outros detritos marinhos. Os biólogos especializados em baleias enfatizam que uma única morte, de uma fêmea capaz de procriar, poderia representar uma elevação considerável de risco para a sobrevivência da espécie.
A marinha diz que seu centro de treinamento não resultará em maior tráfego naval, porque seus navios já utilizam essas águas. Dirigentes das forças armadas acrescentam que os navios de guerra norte-americanos já adotam extensas precauções para evitar colisões com baleias. Mas colisões com navios não são o único risco que o centro poderia criar. As águas da região também receberiam certo volume de detritos irrecuperáveis relacionados ao treinamento, entre as quais as “sonoboias” lançadas de aviões para caçadas a submarinos, e paraquedas cujas linhas podem causar problemas às baleias.
O impacto do uso do sonar é outra preocupação. Embora a marinha evite o uso de sonar perto da área de procriação, a tecnologia é essencial para caçar submarinos no centro de treinamento. Mas os sons percorrem tamanha distância, sob a água, que não se sabe ao certo que efeitos negativos eles poderiam ter sobre as baleias e filhotes.
Conclusões precipitadas?
Durante os cinco anos necessários à construção do centro, a marinha planeja conduzir novas pesquisas para avaliar a presença e movimentos das baleias-francas na região. Mas os críticos apontam que a marinha já decidiu investir US$ 100 milhões para construir o centro. A esse custo, a instalação certamente será colocada em uso quando concluído, de modo que as pesquisas deveriam ser conduzidas antes da construção, afirmam os críticos.
E no momento não existe informação suficiente para dizer de forma confiável se o centro será ou não ameaça para as baleias, diz Amy Knowlton, cientista que pesquisa baleias-francas no New England Aquarium, em Boston.
“Minha sensação é de que a marinha está tocando o projeto sem se esforçar para compreender como esse habitat é usado pelas baleias-francas e outros animais marinhos”, ela disse. A bióloga também questiona se o serviço de recursos marinhos obteve dados suficientes para garantir que não há ameaça à sobrevivência das baleias-francas. “Pesquisaram apenas durante parte de uma estação de acasalamento”, enquanto diversos anos de estudo seriam necessários para avaliar o quadro, alega.
“Sem esse esforço científico, a marinha está simplesmente supondo que a construção não será problema. Não é suposição que eu faria”, acrescenta.
Fonte: Terra