Cemitérios submersos, comunidades realocadas, ondas mais fortes e a construção de barreiras contra o mar. O aumento do nível dos oceanos, consequência do aquecimento global, já é realidade nos países-ilha do Oceano Pacífico – hoje um dos maiores símbolos dos impactos das mudanças climáticas no mundo.
Na COP30, em Belém, o g1 conversou com representantes destas nações, que vieram ao Brasil lutar por metas mais climáticas mais ambiciosas dos países, as chamadas NDCs. As metas que foram entregues até agora não são suficientes para conter o aquecimento do planeta em 1,5º C – uma questão de sobrevivência para estes povos.
Acima dessa marca, países como Tuvalu, Fiji, Ilhas Marshall, Vanuatu, Samoa podem desaparecer nos próximos anos, engolidos pelo mar.
E por que são tão vulneráveis? Cercadas pelo mar, grande parte dessas ilhas são baixas, formadas por atóis e sem montanhas. Segundo a ONU, a maioria delas fica apenas um ou dois metros acima do nível do mar. Quase toda a população, 90%, mora a menos de cinco quilômetros da costa, e boa parte das construções, como casas, estradas e hospitais, fica a poucos metros da água.
De acordo com um relatório da ONU sobre o avanço do mar na região, publicado em agosto de 2024, o nível do oceano subiu até 15 centímetros nos últimos 30 anos em algumas áreas do Pacífico acima da média global, que é de cerca de 10 centímetros. Nas capitais de Samoa e Fiji, o aumento foi ainda mais acentuado, chegando a 31 centímetros e 29 centímetros, respectivamente.
Ao mesmo tempo, os países dessa região têm pouca responsabilidade pela poluição do planeta. “Não fomos nós os responsáveis pela mudança do clima, por essas emissões feitas pelos maiores países poluidores. Mas somos os primeiros a sentir os impactos. Para nós, isso é uma ameaça existencial”, disse Pio Manoa, vice-diretor da Agência de Pesca do Fórum das Ilhas do Pacífico (FFA).
Memória submersa
“Temos comunidades onde há cemitérios, onde enterramos nossos entes queridos ao longo da costa, que agora estão debaixo d’água. Ficaram totalmente abaixo da superfície do mar”, conta Manoa, que é de Fiji.
Ele trabalha em uma agência que apoia as populações pesqueiras locais e explica que, com o aquecimento do oceano, os peixes estão se afastando da costa. Segundo o diretor, até 20% da fauna de atum pode deixar a região.
“Isso é muito significativo. Porque nossos países são pequenos, dependem do peixe e do atum para gerar renda, mas também para alimentação, como fonte de proteína”.
Pio destaca ainda outro efeito das mudanças climáticas: as ressacas estão cada vez com ondas mais fortes.
Além disso, Sivendra Michael, Secretário Permanente do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas de Fiji, disse que comunidades costeiras já precisaram ser realocadas para locais mais altos.
“Temos seis comunidades que foram relocadas, duas que estão sendo relocadas atualmente, e temos cerca de 17 comunidades que estão em perigo e que estão identificadas para a relocação”, contou Sivendra.
‘1,5° C é questão de sobrevivência’
Diante desse cenário, os representantes da região repetem um apelo: “1,5°C é questão de sobrevivência”, disse o secretário de Fiji.
Na COP30, Maina Talia, ministro do Interior, Mudanças Climáticas e Meio Ambiente de Tuvalu, tenta mobilizar os grandes poluidores para que se engajem com metas mais ambiciosas.
“Para alcançarmos o objetivo número 1,5°C, é necessário garantir que os países com emissões altas se comprometam com os seus indicadores. Então, nós realmente precisamos ver uma ambição alta nos indicadores que eles têm lançados”, disse o ministro de Tuvalu ao g1.
Pio Manoa, da Agência de Pesca do Fórum das Ilhas do Pacífico, lembra que para eles esta é uma questão de continuar existindo ou não.
“Quando falamos de ambição, para nós é fundamental que os países responsáveis assumam suas responsabilidades, cortem suas emissões, façam o que precisam fazer, tanto o que é obrigação legal quanto obrigação moral”, disse Manoa.
Muros contra o mar e terras mais altas
As ilhas do Pacífico não têm tempo para esperar por decisões formais ou negociações longas para barrar o aquecimento global. Com os efeitos já sentidos na região, eles começaram a implementar ações práticas para lidar com os impactos – o que é chamado de adaptação climática.
O Projeto de Adaptação Costeira de Tuvalu (TCAP) construiu os chamados “seawalls”, uma espécie de muro de contenção – mais para evitar a erosão com a força da água do que para conter o avanço do mar.
Eles também estão criando áreas mais altas na ilha. Um pedaço do país foi aterrado para ficar acima do nível do mar – mesmo considerando a elevação prevista depois de 2100.
Maina Talia, ministro Meio Ambiente de Tuvalu, contou ainda que eles estão recuando o mar artificialmente em algumas áreas. Isso é feito, por exemplo, depositando areia, pedras e outros materiais para elevar o nível do solo e transformá-lo em terra estável.
“Elas [essas ações] são muito custosas, mas são as coisas mais práticas para fazermos”. Para esses projetos, os países precisam de financiamento – um dos principais pontos de impasse nas negociações da COP30. No caso de Tuvalu, o dinheiro veio do Fundo Verde para o Clima, e de países como Nova Zelândia e Austrália.
Um estudo do Banco Mundial estimou que o custo da adaptação – com a construção de muros de contenção, elevação de casas e realocação de comunidades – pode chegar a R$ 5,33 bilhões em Tuvalu e R$ 26,65 bilhões nas Ilhas Marshall, considerando uma elevação do nível do mar de até 0,5 metro.