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Cavernas poluídas ameaçam vida selvagem nos Estados Unidos

9 de janeiro de 2010
7 min. de leitura
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O rio Bluestone, que corre pela fronteira entre os Estados da Virgínia e Virgínia Ocidental, nos Estados Unidos, há muito tempo tem sido fonte de água potável para as cidades próximas. Por isso as autoridades ambientais da Virgínia ficaram chocadas quando uma amostragem de rotina apresentou algo perturbador: as carpas do rio estavam lotadas de compostos industriais chamados bifenil policlorados, ou PCBs.

Procurando desvendar o mistério, eles seguiram rio acima até a entrada de uma caverna na área rural da Virgínia Ocidental. A água subterrânea dentro da caverna Beacon apresentava concentrações de PCB “astronomicamente altas”, observa Nick Schaer, geólogo do Departamento de Proteção Ambiental da Virgínia Ocidental, que ajudou a realizar a amostragem. “Obtivemos números muito mais altos que o limite seguro para a saúde.” O provável suspeito se encontra bem acima da caverna – uma usina elétrica há muito tempo abandonada.

A poluição da caverna Beacon é um exemplo claro do crescente problema da contaminação da superfície que tem poluído cavernas por todo o país, incluindo algumas localizadas em parques nacionais e florestas. “O problema é sério”, afirma Tom Aley, especialista em hidrologia subterrânea e presidente do Laboratório Ozark de Águas Subterrâneas, no sudoeste de Missouri.

“Quando as cavernas são ameaçadas, o perigo em geral vem de atividades da superfície”, observa David Culver, especialista em cavernas e biólogo da American University, em Washington, D.C. “As pessoas precisam estar cientes da existência de um ecossistema subterrâneo e que o que acontece na superfície gera um impacto real nesses ecossistemas únicos”.

O problema chama atenção porque quase um terço do suprimento de água potável nos Estados Unidos é formado por riachos e fontes que se originam em cavernas ou passam por elas. De certa forma, a poluição de cavernas é inevitável devido a rachaduras e fissuras na rocha que as cerca. O relevo cárstico, que inclui cavernas, dolinas e outras formações subterrâneas, é esculpido lentamente em pedra calcária pela água da chuva. Rachaduras nessa rocha permitem que qualquer coisa que seja jogada no solo viaje sem filtragem até o fundo. Essas formações cársticas são extensas, perfazendo quase um quarto do território continental dos Estados Unidos. “O problema é maior em áreas cársticas altamente desenvolvidas, onde existe uma grande quantidade de água da superfície passando”, observa William Elliott, biólogo de cavernas do Departamento de Conservação do Missouri, que estudou cavernas por toda a América do Norte.

Além da ameaça à água potável, cavernas poluídas também colocam em risco algumas das mais raras formas de vida selvagem da Terra. As 50 mil cavernas que, estima-se, existam nos Estados Unidos, abrigam cerca de 1.100 espécies de animais, plantas e insetos, e quase todos não sobreviveriam fora do ambiente das cavernas, afirma Culver. Troglóbios são animais cegos como peixes e insetos que passam a vida dentro das cavernas, desenvolvendo sentidos especiais que permitem sua sobrevivência em completa escuridão. Acrescentam-se a eles numerosas outras espécies, como morcegos, guaxinins, grilos-das-cavernas, salamandras, lagartos e cobras, que utilizam as cavernas como áreas temporárias para descanso ou reprodução e criação dos filhotes.

Muitas espécies das cavernas estão incluídas na lista de espécies em extinção do país, principalmente devido à qualidade insalubre da água.

A poluição generalizada das cavernas levou alguns especialistas a questionarem se a poluição não teve influência na síndrome do nariz branco – uma doença misteriosa que dizimou mais de um milhão de morcegos no nordeste dos Estados Unidos. David Blehert, microbiologista do Centro Nacional de Saúde da Vida Selvagem, da Pesquisa Geológica dos Estados Unidos, afirma que é improvável que a poluição tenha provocado a doença que está se alastrando pelas cavernas. Neste verão, entretanto, o Serviço da Pesca e Vida Silvestre começou a analisar tecidos dos morcegos para determinar se PCBs e outras substâncias químicas, particularmente as utilizadas em pesticidas, estão contribuindo com a doença. “Contaminantes provenientes da superfície poderiam estar exacerbando o problema” ao enfraquecer o sistema imunológico dos animais, comenta Anne Secord, especialista em contaminantes ambientais da Agência Federal de Vida Selvagem em Cortland, Nova York, que está chefiando o estudo. PCBs, por exemplo, são conhecidos por anular as células imunes dos animais. “Além disso, pesticidas comuns como a atrazina, que alguns estudos relacionam com alterações nos hormônios e vida selvagem feminina, há muito são encontrados em cavernas subterrâneas e nascentes.

Uma fonte comum de poluição das cavernas são os resíduos humanos. A mundialmente famosa caverna do Mamute, visitada por quase meio milhão de pessoas por ano, foi contaminada por esgoto de um hotel próximo. Salmonela, muito provavelmente proveniente de um sistema séptico defeituoso, também foi encontrada dentro da vizinha caverna da Coruja. O Serviço Nacional de Parques instalou uma estação de tratamento de esgoto regional no final dos anos 1990.

No Alasca, a água suja que escorria de operações madeireiras continha diesel e outros produtos derivados de petróleo que poluíram riachos em cavernas e corredores de salmão na Floresta Nacional Tongass, bem como fontes de água potável rio abaixo.

Em áreas rurais no nordeste de Oklahoma, a caverna Twin foi contaminada com 48 compostos, incluindo os inseticidas proibidos clordano e DDT. Suspeita-se que a causa seja o despejo ilegal de resíduos em uma colina próxima. “Não há preocupação com o que está fora de vista”, comenta Aley. “Há essa percepção de que vivemos em cima de um filtro infinito e o que se joga no solo vai de alguma forma ser limpo.”

Cavernas estão entre os ambientes menos protegidos do mundo, observa Penelope Boston, geomicrobiologista e diretora associada do Instituto de Pesquisa Espeleológica e Cárstica. Segundo ela, que também dirige o Programa de Estudos Espeleológicos e Cársticos do Instituto de Mineração e Tecnologia do Novo México, a saúde tanto das espécies das cavernas quanto da água subterrânea estão “intimamente” relacionadas. Ao contrário dos aquíferos de arenito, que se situam abaixo de grossas camadas de rocha e sedimentos que permitem a filtragem de poluentes, os aquíferos cársticos são particularmente vulneráveis à poluição da superfície por serem constituídos de rochas como calcário e gipsita, que criam uma “super-autoestrada” para regiões abaixo da superfície, explica Boston. “Eles são extremamente fáceis de poluir”, acrescenta.

Entretanto, a mesma absorção rápida que torna os aquíferos cársticos tão suscetíveis à poluição também pode ajudar a restaurá-los. Uma vez que a fonte tenha sido identificada e a poluição contida, as cavernas – e a vida dentro delas – se recuperará, observa Elliott, biólogo de cavernas do Departamento de Conservação de Missouri. Ele cita a caverna Hidden River, no Kentucky, uma atração turística popular que chegou a ser fechada em 1943 devido à poluição pelo esgoto municipal e resíduos de uma leiteria e uma indústria de cromagem. Em meados dos anos 1980 uma nova estação de tratamento de águas residuais foi construída e por volta de 1995 muitos animais que haviam desaparecido, como bagres-cegos e lagostins, retornaram para a seção antes extremamente poluída. “A caverna não fede mais e temos excursões novamente”, comenta Aley, o especialista em hidrologia subterrânea do Laboratório Ozark de Águas Subterrâneas. “Quando a água estava superpoluída não havia vida. Os bagres-cegos e lagostins tinham sumido. Agora ambos retornaram. Essa é uma história de sucesso.”

Esse é o desfecho que desejam aqueles que trabalham na recuperação da caverna Beacon, de seus riachos subterrâneos e dos canais que eles alimentam. Mas o problema, entretanto, permanece. A caverna da área rural da Virgínia Ocidental é popular entre os escaladores e valorizada por seu riacho subterrâneo bem como por seu lento redemoinho. Testes efetuados em julho na bacia do rio Bluestone pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) revelaram que as concentrações de PCB estão caindo, mas ainda excedem os padrões estaduais para a água. Schaer, o geólogo da Virgínia Ocidental, acredita que barris enterrados da usina elétrica há muito desativada podem ainda estar poluindo a caverna.

Michael Towle, coordenador local da EPA na caverna Beacon, concorda que pode ainda haver uma fonte de PCB no subsolo, “talvez na própria caverna”. Mas ele observa que por ser uma bacia hidrográfica muito grande e complexa, achar a fonte de poluição não será fácil. “Muita coisa está enterrada há muito tempo, já encoberta e perdida na memória das pessoas, portanto pode ser que permaneça escondida para sempre”, conclui.

Fonte: Gazeta Web

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