Em janeiro de 1889, em Turim, o grande filósofo alemão Friedrich Nietzsche abraçou e beijou, aos prantos, um pobre cavalo brutalmente espancado pelo dono, interpondo-se entre o animal e seu cruel condutor. Sua atitude foi a “gota d´água” que lhe rendeu o rótulo de “louco”. Logo após o incidente, ele foi internado como doente mental. Mas o que o seu gesto de fato demonstrou: loucura ou uma profunda lucidez?
Pode parecer mórbido insistir na questão do sofrimento dos animais que vivem em função dos seres humanos, mas eu o faço porque creio que, quando todos tomarem consciência, o sofrimento acabará. É como diz a sabedoria árabe: “A maldade é vizinha da ignorância” (entendam ignorância em todos os sentidos que essa palavra tem). Utópico? Sim, é claro. Mas isso não é motivo para não prosseguir neste caminho, porque o assunto que trago se encaixa na categoria dos “males plenamente evitáveis”. Por quê? Repare leitor(a), que não estou me propondo a fazê-lo(a) sentir compaixão pelas zebras ou antílopes abatidos por leões, tigres ou hienas na selva – embora tal sentimento seja legítimo. Alguns poderiam se perguntar: mas é só por meio do sofrimento que se sensibiliza as pessoas? É claro que não, mas as alegres histórias de como são inteligentes nossos bichinhos de estimação já estão na ordem do dia da mídia. Raramente se dá destaque ao lado sofrido da existência desses seres sencientes, pois há, muitas vezes, grandes interesses econômicos envolvidos.
Todas as categorias de animais que domesticamos – e isso piora quanto mais industrializada for uma sociedade – levam uma vida miserável. Vou me ater aqui, de forma resumida, à vida dos cavalos. Como é a vida de um cavalo domesticado para atender aos interesses dos seres humanos? Cavalos de corrida e usados em atividades consideradas como esporte (sic) (hipismo, por exemplo) são “bem-tratados”, nos dizem, mas vivem suas vidas dividindo seu tempo, basicamente, entre o cativeiro – em baias tão pequenas que mal podem se mexer – e uma programação de exercícios pesados envolvendo velocidade, saltos, etc, que os deixam totalmente estressados. Fazem apenas o que os seus proprietários desejam. Nunca podem ser, simplesmente, cavalos. Os cavalos são ainda usados em rodeios e outras formas de montaria, para o transporte de pessoas e como animais de tração. Em muitas cidades é comum ver cavalos maltratados, mal nutridos e explorados, puxando pesadas carroças, muitas vezes carregadas de resíduos provenientes de nosso estilo de vida perdulário. Ao lado dessas humildes carroças – veículos movidos por um só cavalo – passam intermináveis filas de automóveis – veículos metálicos e brilhantes, dotados de uma força equivalente a dezenas, ou centenas de cavalos ou HPs (horse power) – enfim, máquinas insensíveis que desconhecem o cansaço e as rotinas enfadonhas.
Essa imagem contrastante pode ser violenta para olhos sensíveis, ou corriqueira, para aqueles que estão anestesiados e intoxicados pelas falsas “verdades” de nossa cultura massificada. Nem sempre a técnica veio para libertar ou diminuir o sofrimento dos animais ou dos seres humanos, os “auto-móveis” (o que significa “auto-móvel”: algo que anda, ou se move, por si próprio?) que se cansam, sofrem e sentem. Se não idolatrássemos tanto os automóveis, teríamos que admitir que tantos “cavalos mecânicos” para transportar apenas uma ou duas pessoas é um péssimo uso da técnica.
Há muitos outros sofrimentos impostos aos cavalos – pouco divulgados – como é o caso do confinamento de éguas prenhes para produzir uma droga usada em terapias de reposição hormonal chamada Premarin (“Pre” de pregnant (grávida); “ma(r)” mare (égua) e “rin”, de urina). Além de causar danos à saúde humana e ao meio ambiente, tal droga é produzida em condições totalmente cruéis. Tratarei dessa e de outras questões na próxima coluna.