O mau cheiro gerou a denúncia de um crime ambiental com requintes de crueldade na região de Caçapava do Sul (RS). Fiscais do Departamento de Meio Ambiente da prefeitura de Caçapava do Sul foram verificar qual era o motivo da queixa anônima e testemunharam uma cena de covardia. Cerca de 70 cavalos crioulos foram abandonados sem comida na Cabanha Maldonado, localizada a 32 quilômetros da sede do município de Caçapava do Sul. Há seis meses sem aparecer na propriedade, os tutores deixaram os animais aos cuidados de dois empregados, que afirmam não receber salário desde abril.

Conforme um dos empregados, José Artidor Fontoura Bitencourt, 24 anos, dívidas teriam levado os tutores a abandonar os animais:

“Os cavalos estariam penhorados na Justiça. Por isso, não se preocupavam mais em dar comida. Em junho, pararam de mandar dinheiro para comprarmos ração. Recebemos a liberação para soltar os cavalos no campo, mas o pasto de 40 hectares não é suficiente para mais de 60 cavalos. A mulher do tutor disse para nós: ‘pode deixar morrer que, quando a situação melhorar, eu compro tudo de novo’ “.

A equipe da prefeitura, que entrou na fazenda e fez as fotos publicadas na capa do Diário e nesta página, encontrou, além de quase 30 carcaças de cavalos, outros 42 animais vivos, em situação deplorável. Os cavalos de raça, acostumados com ração abundante e cuidados médicos, sentiram a falta de tratamento.

“Eles estão passando fome, estão magros, e não sei até quando ainda vão sobreviver”, contou uma das fiscais, que não quis se identificar.

“É triste ver uma cena assim, mas nós não tínhamos o que fazer. Não tinha mais remédio, ração e mesmo pasto. Só água para dar para os cavalos”, desabafa Bitencourt, que foi despedido no dia 29 de setembro, segundo ele, sem receber nada.

Denúncia

A prefeitura denunciou os tutores ao Ministério Público de Caçapava do Sul. O promotor João Ricardo Santos Tavares recebeu a denúncia na sexta-feira. De acordo com o documento, uma mulher que se identificou como sócia administradora da cabanha afirmou que os cavalos já não seriam mais de sua propriedade, mas estavam penhorados em um processo que corre na Justiça Federal Criminal, em Porto Alegre:

“Vou pedir para o registro de imóveis de Caçapava o nome dos proprietários, pois na denúncia só constam a fazenda e a localidade. Assim que tivermos o nome dos tutores, eles responderão por crime ambiental de submeter animais à crueldade. Vamos informar à Justiça Federal das más condições dos animais. Se eles estão em poder da Justiça, deixá-los à míngua é tentativa de fraude”.

Bitencourt forneceu ao Diário o telefone do dono da cabanha, que mora em Porto Alegre. A reportagem tentou ligar por mais de 10 vezes para o número, na sexta-feira, mas não foi atendida.

Tutor nega abandono

No sábado, no entanto, o dono da cabanha, Luis Felipe da Pieve, conversou por telefone com a equipe da RBS TV Santa Maria. Ele afirmou que não é o culpado pelas mortes dos animais e que nunca houve abandono da fazenda.

“Isso foi relaxamento dos funcionários que não davam comida e, quando ligávamos para saber da situação da propriedade, diziam que estava tudo bem. Esses cavalos que morreram, eu garanto que tinham mais de 20 anos e não resistiram ao frio”, disse o Pieve, que administra uma prestadora de serviços para o governo federal na Capital.

Em telefonema de 40 minutos à equipe da RBS TV, o dono da cabanha afirmou que desconhecia a situação de subnutrição dos mais de 60 cavalos que possuía e negou a afirmação de seu funcionário José Artidor Bitencourt, que diz que os tutores não visitavam a fazenda desde abril. O tutor garantiu que fazia visitas periódicas à cabanha e que telefonava diariamente para os funcionários.

Bitencourt, por sua vez, reforça o relato de que não recebia o salário há sete meses e de que não havia fornecimento de ração ou remédios desde junho para os 65 cavalos crioulos que ele e mais um peão tratavam:

“Quando a gente conseguia falar com eles por telefone, o que aconteceu umas duas vezes, eles nos diziam: ‘pode deixar morrer, depois a gente compra de novo’ ” .

O dono da cabanha afirmou que alguns cavalos estavam penhorados em uma ação judicial e que ele teria pedido à Justiça que esses animais fossem tirados da fazenda.

“Estamos tomando as medidas necessárias para levar os animais excedentes para outros campos, para que não falte alimento. Mas eu entendo que o cavalo que não é meu, não tenho obrigação de cuidar”, finalizou.

Fonte: Diário de Santa Maria