Dois anos após a apresentação de um projeto de lei elaborado por populares com a proposta de proibição do uso de carroças com tração animal na área urbana de Santa Cruz do Sul, os casos de maus-tratos a cavalos ainda fazem parte da rotina de atendimentos da Vigilância Sanitária. Segundo o coordenador do departamento, o veterinário Paulo Rutkowski, a equipe recebe, em média, 15 denúncias por dia.
Ontem, a situação de um cavalo às margens da BR–471, no Bairro Bom Jesus, motivou o comunicado por parte de populares que circularam pelo local. Com uma saliente deficiência na coluna, o animal, amarrado próximo às casas, causou suspeitas de abuso.
Conforme averiguação realizada pela Vigilância, o cavalo pertence a um carroceiro que alega não utilizá-lo mais para fins de serviço. “Ele comprovou que mantém o animal alimentado com ração e milho”, afirma Rutkowski. Segundo o veterinário, o problema lombar provavelmente é consequência de um excesso de peso ao qual o cavalo foi submetido quando ainda pequeno. “Infelizmente não existe uma lei que preveja a punição por possíveis irregularidades que ocorreram no passado. O que nos interessa é o presente”, alega Rutkowski.
Em casos como esse, a Vigilância trabalha a fim de orientar os trabalhadores que dependem da tração animal. “Reforçamos a importância de manter o animal afastado do serviço. O recolhimento se justifica somente quando o bicho está machucado ou desnutrido. É como uma família em situação de vulnerabilidade. Os filhos não podem ser tirados dos pais sem mais nem menos”, compara.
Rutkowski acredita que o município careça de uma legislação específica para regular a atividade dos carroceiros. “Seria necessário padronizar as carroças, controlar o peso utilizado e cadastrar tanto os carroceiros quanto seus cavalos, o que facilitaria o controle de vacinação”, sugere.
Discussão
O problema já foi discutido na Câmara de Vereadores. Em 2008, um grupo de seis cidadãos – entre veterinários, representantes de empresas e entidades –, apresentou ao Legislativo um projeto de lei de oito páginas com a sugestão de proibir o uso de carroças com tração animal no Centro da cidade. O projeto extinguia cavalos e veículos de tração animal do Exército, da Brigada Militar ou que estivessem participando de eventos oficiais, como o desfile da Semana Farroupilha.
Em caso de descumprimento, os órgãos de fiscalização da Prefeitura ou a BM poderiam recolher a carroça e o cavalo para um depósito. Os animais passariam por exames clínicos e os proprietários poderiam resgatar o cavalo e a carroça em um prazo de até cinco dias úteis, mediante apresentação de documentos, pagamento de taxas entre R$ 30,00 e R$ 500,00, e comprovação de que o animal seria levado para o interior. Se o proprietário não aparecesse, o cavalo poderia ser destinado à doação. Em caso de doenças graves, seria submetido à eutanásia.
O pedido contou com o apoio de um abaixo-assinado com mais de 2 mil adesões e foi encaminhado à Comissão de Saúde e Meio Ambiente da Câmara. Segundo uma das autoras do projeto, a veterinária Fernanda Ruschel, o caso caiu no esquecimento. “Ficamos no vácuo, sem nenhum respaldo por parte dos vereadores. É lamentável, pois estávamos dispostos a sentar para discutir e avaliar possíveis soluções para os carroceiros, pois não estamos contra eles”, frisa.
O atual secretário de Transportes e Serviços Públicos, André Scheibler, na época presidente da comissão, alega que a falta de alternativas para os trabalhadores que utilizam a tração animal tornou o projeto inviável. “Não podemos simplesmente proibir se existem pessoas que dependem disso. Foi uma decisão conjunta entre os vereadores”, explica. Contudo, Scheibler não descarta a possibilidade de retomar a discussão na Câmara. “Para isso será necessária a participação de todo o município, pois não é só um problema de saúde, tem também o lado social”, aponta.
Para o coordenador da Cooperativa dos Catadores, proibir o uso de carroças não é a melhor solução. “Sabemos que existem casos isolados de maus-tratos, mas não podemos generalizar. Deveria haver uma proposta de inclusão social para os carroceiros, disponibilizando auxílio veterinário, porque para muitos esse é o ganha pão”, acredita.
Custos
Conforme Rutkowski, para manter as condições mínimas necessárias de sobrevivência, um cavalo necessita de 3 quilos de ração por dia. Isso equivale a cerca de três sacos de ração por mês, sendo que cada saco custa, em média, R$ 40,00, o que significa gastos mensais de cerca de R$ 120,00 somente na alimentação do animal. “Sem contar os gastos com medicamentos e outros itens eventualmente necessários”, complementa.
Fonte: Gazeta do Sul