As catástrofes não ficaram apenas mais frequentes, avaliam especialistas e investidores, mas também mais próximas de polos financeiros, culturais e geopolíticos. Os incêndios em Los Angeles, nos Estados Unidos, e Atenas, na Grécia, ou as inundações em Valência, na Espanha, trouxeram maior holofote ao debate sobre prevenção.
“Houve uma virada. Em anos anteriores, adaptação aparecia timidamente na agenda e nos discursos de líderes. Desta vez, entrou no centro e isso tem duas razões principais. Primeiro, porque os impactos climáticos já são parte do cotidiano. Segundo, porque a conta da inação está ficando insustentável“, diz Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa.
Um relatório da consultoria de risco Aon mostra que, no século 21, o mundo tem uma média anual de US$ 329 bilhões (R$ 1,75 tri) em prejuízos com eventos climáticos extremos. Mas, desde 2020, sempre o custo foi maior que este, tendo sido de US$ 368 bilhões (R$ 1,9 tri) em 2024.
Ao mesmo tempo, o número de mortes causadas por essas catástrofes no último ano foi o menor em três décadas, o que ilustra tanto a importância do investimento em adaptação quanto também uma desigualdade.
“Países desenvolvidos normalmente tendem a estar melhor equipados para lidar com as consequências e podem reduzir as potenciais fatalidades por meio de uma preparação efetiva e estratégias de respostas”, diz o relatório.
Apesar dos prejuízos e da capacidade de evitar mortes, a área de adaptação concentra a maior lacuna —US$ 359 bilhões (R$ 2,03 trilhões)— dentre todas as abordagens necessárias contra a crise do clima, segundo a ONU.
“O problema é estrutural: o sistema internacional foi desenhado para lidar com emissões de CO2, não impacto. Por isso, até hoje a adaptação é vista como caridade, quando na verdade é um dos investimentos mais inteligentes possíveis”, afirma Unterstell.
Segundo uma estimativa do Banco Mundial, cada dólar investido nesta área pode economizar dez em prejuízos futuros evitáveis.
“O grande teste é político: os países desenvolvidos têm compromissos de financiamento que expiram em 2025-26. Se não renovarem com foco em adaptação, a confiança no Acordo de Paris se esvazia. Na COP30, adaptação será a prova de credibilidade da liderança climática global”, avalia também Unterstell.
Na conferência, o pleito sobretudo de países de economias menores é para que esse investimento não só aumente, mas também não fique concentrado nas nações ricas e aconteça por meio de novos mecanismos econômicos, como títulos de resiliência, seguros específicos e outras novas formas de financiamento.
“Precisamos da estrutura financeira correta. Uma plataforma que una três elementos cruciais: os meios para preparar projetos viáveis por meio de doações e suporte técnico; um fundo de ‘blended finance’ com recursos públicos, capital internacional e investimento privado; e um portal transparente onde projetos podem ser submetidos e acompanhados”, afirma Omotenioye Majekodunmi, diretora-geral do conselho de mudança climática da Nigéria.
Mohamed Nasheed, ex-presidente das Ilhas Maldivas, lembra que a adaptação não pode ampliar o endividamento em massa de países de economia menor, que são justamente os que mais precisam destes recursos.
“A solução não está apenas dentro de nossas fronteiras, mas em um sistema global que reconheça a escala de urgência e justiça necessárias para verdadeiramente não deixar ninguém para trás [neste investimento]”, afirma.
“Na preparação para a COP, enfatizamos a importância de implementar os indicadores globais de adaptação de forma a refletir a realidade dos SIDs”, completa, em referência à sigla usada para o grupo de Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento.
Presidente do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), Ilan Goldfajn afirma que, dado o cenário atual, a instituição pretende direcionar 50% do seu financiamento climático para a área de adaptação.
“Todos sabemos quão fortemente os desastres naturais estão nos atingindo. Então a questão é como conseguimos alavancar o financiamento e inovar em nossos mecanismos para fazer o investimento em adaptação também mais impactante”, diz.
Fonte: Folha de S.Paulo