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LEVANTAMENTO

Casos de maus-tratos a animais aumentam 438% nos últimos cinco anos no Rio Grande do Norte

13 de abril de 2025
André Luís
7 min. de leitura
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Foto: Anderson Régis

Criado pela Sociedade Americana para a Prevenção da Crueldade a Animais (ASPCA), o Abril Laranja é uma campanha voltada à prevenção da crueldade contra os animais. Promovida em todo o Brasil ao longo do mês de abril, a iniciativa tem como objetivo sensibilizar a sociedade sobre maus-tratos e promover ações de proteção e bem-estar animal. No Brasil, a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), especialmente após a Lei Sansão (Lei nº 14.064/2020), considera crime atos como: abandono; agressões físicas, negligência em cuidados básicos (água, comida, abrigo); manter o animal em local insalubre; envenenamento e trabalho forçado ou exploração.

No Rio Grande do Norte, o cenário de casos de maus-tratos de animais é crescente. Dados repassados pela Secretaria da Segurança Pública e da Defesa Social (Sesed) apontam um aumento de aproximidamente 438% entre os anos de 2020 e 2024 no número dessas ocorrências. Segundo o Sistema de Procedimentos Policiais Eletrônicos da Polícia Civil (PPE/PCRN), no último ano foram registradas 484 situações, sendo: maus-tratos contra animais (63); maus-tratos a cães e gatos (31); com morte do animal (25); e realização de experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos.

Daniella Filgueira, titular da Delegacia Especializada de Defesa ao Meio Ambiente (DEMAATUR), que atua na proteção e defesa dos animais no RN, avalia que o aumento significativo no número de denúncias anônimas relacionadas a maus-tratos, não necessariamente indica um agravamento da situação. A delegada aponta que grande parte das denúncias são improcedentes para o crime de maus-tratos, restando configurado em alguns casos a contravenção penal de perturbação do sossego alheio.

“Houve uma maior mobilização da sociedade em torno da causa animal. Esse aumento nas denúncias está diretamente ligado ao crescimento da conscientização da população sobre os direitos dos animais, impulsionada principalmente pelo papel das redes sociais”, explicou Daniella.

Ela também revela um aumento expressivo na procura por canais de denúncia e na efetivação de investigações relacionadas a crimes de maus-tratos a animais. “Esse crescimento também reflete fortalecimento das ações das autoridades competentes”, diz. Atualmente, a DEMAATUR apura todos os crimes de denúncia que recebe, dada maior celeridade as denúncias feitas diretamente na unidade, devido serem mais robustecidas com provas, seja documentais (vídeos e fotos) e testemunhais (depoimento do próprio comunicante da denúncia).

“Após receber a denúncia através de boletim de ocorrência ou extrato de denúncia anônima a autoridade policial expede uma Ordem de Serviço para que uma equipe da Delegacia Especializada realize diligências no local. Caso seja constatada a situação de maus-tratos os responsáveis poderão ser presos em flagrante ou responderem procedimentos, seja TCO ou Inquérito Policial”, disse.

Ela destaca que a legislação sobre crimes contra animais foi fortalecida nos últimos anos, especialmente com a Lei nº 14.064/2020, que aumentou a pena para maus-tratos contra cães e gatos — podendo chegar até cinco anos de prisão, além de multa e proibição da guarda de animais. Porém, para outros animais, como silvestres ou de produção, as punições ainda são mais brandas.

Na avaliação da titular da DEMAATUR, falta fiscalização e estrutura para proteger os animais, especialmente em áreas rurais ou periféricas. “Talvez não seja apenas uma questão de endurecer a lei, mas de aplicá-la melhor, garantir fiscalização efetiva, educação da população e punições proporcionais e abrangentes para todas as espécies”, acrescenta.

Legislação

Apesar da existência de leis importantes, como a Lei de Crimes Ambientais (9.605/1998) e a Lei Sansão (14.064/2020) — que prevê pena de reclusão de dois a cinco anos para quem maltrata cães e gatos —, a advogada Juliana Rocha, presidente da Comissão Especial de Direito Animal da Ordem dos Advogados do RN (OAB/RN), aponta que a necessidade é a ampliação dessa proteção contra crueldade a outras espécies. “O que sentimos necessidade é que outras espécies passem a ter a mesma proteção contra crueldade — detenção de dois a cinco anos e multa. Da maneira que hoje se encontra, outras espécies não gozam de uma proteção tão enfática em sua integridade, vida e dignidade”, aponta.

“Há leis que já foram sancionadas que merecem destaque e não foram colocadas em prática como, por exemplo, o programa que visa retirar os animais de tração das ruas de Natal — o sofrimento desses animais incomoda, não cabendo mais em uma sociedade sensível à causa animal a utilização dos mesmos para fins de carga com o intuito de gerar renda para seus tutores — essa lei é de 2017 e não vemos ações efetivas para sua implementação”, detalha a advogada.

Além de campanhas educativas, informativas, ações em eventos e participação em audiências públicas, a Comissão também fomenta pesquisas na área de direito animal, ministrando cursos sobre a temática e intervindo quando necessário em caso de leis que atentem contra a legislação. Como também, oficia a órgãos públicos e instituições requerendo a implementação de normas mais vigentes.

Além disso, a comissão de Direito Animal da OAB/RN já provocou o Estado para que a lei 11.056/21 comece a ter eficácia. A lei trata de levar para toda a rede de ensino estaduais palestras, debates e seminários sobre direito animal. “Já foram realizadas algumas ações nesse sentido e entendemos que, se o executivo realmente se envolver nas ações de informar corretamente, haverá um impacto positivo com a diminuição desse tipo de crime”, disse Juliana.

ONGs potiguares relatam várias dificuldades

Com 10 anos de atuação no Rio Grande do Norte, o Instituto Senhores Patas é uma das Organizações Não Governamentais (ONGs) atuantes no estado. Embora esteja registrado formalmente há uma década, a trajetória de Luciene Lima — fundadora e presidente do Instituto — no acolhimento e resgate de animais vítimas de maus-tratos começou muito antes, ainda quando morava no Rio Grande do Sul e em Brasília.

Apesar do avanço ao longo dos anos, Luciene afirma que o cenário de proteção animal ainda está atrasado. Para ela, campanhas como o Abril Laranja são fundamentais para promover a conscientização sobre o que são maus-tratos e o que a legislação realmente protege. “Hoje, muita gente já entende que maus-tratos não são apenas bater ou espancar. Existe o abandono, a negligência, o sofrimento psicológico. Tudo isso também é crime”, contou. Ela acrescenta que a maior dificuldade enfrentada está na ausência de políticas públicas, como a falta, por exemplo, de canis públicos.

Apesar da falta de estrutura, Luciene vê sinais de progresso no RN, citando o exemplo do município Currais Novos, que está prestes a inaugurar uma Unidade de Vigilância de Zoonoses (UVZ) com atendimento veterinário, canil, feira de adoção e castração. Sendo assim, a única cidade do estado a dispor desse equipamento.

Já o Instituto Hope atua no resgate e acolhimento de animais vítimas de maus-tratos há mais de 15 anos. Fundada por Flaviane Veras e Mariana Stabili, hoje a sede acolhe 53 animais entre cães e gatos, com espécies mais idosas e com alguma comorbidade, como leishmaniose. Ela também reforça a falta de políticas públicas como o principal gargalo da causa animal “Não existe um diálogo entre o poder público e até os próprios conselhos da categoria. Cai tudo para cima da gente. Diariamente a gente recebe pedido de resgate de animal”, confessou Flaviane Veras.

Como denunciar?

No Rio Grande do Norte, a população pode denunciar casos de maus-tratos a animais através de um Boletim de Ocorrência diretamente em uma delegacia. Também, podem ser feitas de forma anônima pelo número 181.

Em casos de flagrante, a população deve ligar imediatamente para o 190, acionando a Polícia Militar, que poderá agir prontamente para interromper o crime.

Durante o registro da denúncia, deve-se, sempre que possível, apresentar indícios do crime, como fotos, vídeos ou relatos de testemunhas, pois fortalecem a apuração do caso e facilita a responsabilização dos autores.

Também é possível denunciar de maneira anônima crimes de maus-tratos a animais pelo número 181.

Fonte: Tribuna do Norte

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