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MISSÃO DE VIDA

Casal brasileiro viaja o mundo há oito anos alimentando cães em situação de rua

27 de março de 2023
7 min. de leitura
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Foto: Arquivo pessoal

Quando ainda moravam na região do ABC Paulista, Sérgio Medeiros e Eleni Alvejan faziam trabalho voluntário com pessoas em situação de rua.

Neste meio tempo, aproveitavam para alimentar cachorros que acompanhavam os desabrigados ou apareciam pelo caminho. Ao planejarem a mudança de vida para cair na estrada, o amor pelos animais foi o mote para a criação do projeto Mundo Cão.

Juntos há quase três décadas, Sérgio, 49 anos, era vendedor técnico, e Eleni, 50, comandava o próprio negócio de transporte escolar.

Em 2013, o casal adquiriu uma Land Rover Defender 110, idealizando rodar pelo globo com o veículo.

À época, eles viajaram para a região da Patagônia, na Argentina e no Chile, por 30 dias, numa espécie de “test drive” para experimentar o estilo de vida e, literalmente, morar sobre rodas.

Depois da vivência, nada mais foi igual.

Foi só questão de tempo — no caso, cerca de dois anos — para caírem na estrada de vez. Com os salários que ganhavam antes de partirem, quitaram as poucas dívidas que tinham e pouparam todas as economias possíveis.

Assim, em fevereiro de 2015, entraram na Defender e seguiram o desejo que compartilhavam: serem felizes, mundo afora, numa grande mudança de vida, como explicou Sergio.

Foto: Arquivo pessoal

Sair do trabalho, vender tudo, alugar o apartamento, deixar a família e os amigos, mergulhar na incerteza e enfrentar o desconhecido, aprender a lidar com o tempo — tentamos tratar todo esse processo com simplicidade.

A princípio, o período sabático seria de um ano, que foi prolongado para três. Até que Sergio e Eleni desistiram de pontuar uma data de retorno e se entregaram de vez ao estilo nômade — aliás, não há desejo de voltar tão logo. Segundo eles, ainda “há muito para viverem, muitos amigos para fazerem e muitas experiências para aproveitarem”.

“Sempre tivemos certeza de que existe tanta coisa maravilhosa fora da bolha que construímos durante a vida. Hoje, mais que nunca, temos a clareza de que a vida passa muito rápido e geralmente não a aproveitamos bem. É impressionante como a vida pode ser tão diferente e mais feliz. São as escolhas que fazemos que nos levam a isso”, opina o marido.

Em memória de Big

O amor pelos animais não nasceu apenas do serviço voluntário. Alguns cães já haviam passado pela vida do casal, como o Big — o último cachorro da família e que quase foi junto na jornada viajante, mas morreu meses antes.

Eleni e Sérgio afirmam que aprenderam muito com Big e acreditam que todos os cachorros conseguem ensinar às pessoas com as quais convivem, diariamente. Não é à toa que alimentar animais em situação de rua seja hábito de muita gente.

No caso deles, porém, essa vontade de ajudar virou motivo para também percorrer o mundo. “Colocamos um roteiro e demos um nome ao projeto que resume nossa intenção em dar um pouco de ‘voz’ a esse tipo de iniciativa”, diz Eleni.

A (quase) mexicana “Chamaca”

Nos oito anos que estão na estrada, os dois percorreram bastante trechos das Américas. O México, especialmente, se tornou a segunda casa para os brasileiros. Tanto que a Defender 110, antes chamada de Mundrunga, foi rebatizada de “Chamaca” (“garota”, na tradução livre) em homenagem ao País.

Foto: Arquivo pessoal

O veículo é o mesmo, desde que deixaram o Brasil. Ou melhor, foi ganhando melhorias e passou por adaptações conforme a quilometragem aumentava. “Vamos aprendendo pelo caminho. Nossas necessidades vão mudando e o carro tem de se adaptar a isso. É um processo frequente”, argumenta Sergio.

De acordo com ele, “Chamaca” está totalmente diferente e melhorada, se comparada com o que era alguns anos atrás. Praticamente tudo que o 4×4 tem hoje foi desenhado, adaptado, montado e modificado por eles. Embora não saibam números exatos, os viajantes estimam ter rodado em torno de 250 mil quilômetros.

Nesse tempo todo, a Defender parou algumas vezes. Eleni e Sérgio precisaram esperar peças de reposição na Guatemala, no México, nos Estados Unidos e na Argentina. Geralmente, uma semana é o tempo suficiente para o veículo voltar à ativa, mas já houve espera de aproximadamente um mês.

Foto: Arquivo pessoal

23 países visitados

“O foco do projeto sempre foi ir da Argentina ao Alasca alimentando os animais em situação de rua, para dar um pouco mais de visibilidade a esse tipo de ação”, destaca a dupla de aventureiros.

A lista de lugares visitados é grande: além do Brasil, estiveram em: Uruguai, Argentina, Chile, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Panamá, Costa Rica, Nicarágua, El Salvador, Honduras, Belize, México, Estados Unidos, Canadá, Portugal, Espanha, Marrocos, China, Tailândia e Vietnã – alguns países, por enquanto, foram acessados de avião.

De todos os destinos, Baja California, estado mexicano na divisa com a Califórnia americana, foi o lugar que mais encantou os viajantes. A paixão foi tanta que eles tiraram até a residência temporária de lá para facilitar a entrada e saída do país.

Em segundo lugar, o casal destaca o Vietnã, um local que trouxe encantamento não só pela beleza, mas também pela simplicidade das pessoas.

Coleção de histórias

Com vários países na conta e um propósito altruísta, a lista de histórias e memórias é grande – das boas e, obviamente, algumas ruins. Além da alimentação que oferecem aos animais que encontram – eles mantêm pacote de ração e água para distribuir —, já tentaram salvar animais. Alguns não resistiram e morreram dentro do próprio veículo, infelizmente.

Apesar dos momentos tristes, há animais que marcaram a fase itinerante de Eleni e Sérgio. Uma delas é “Mochila”, cadelinha de porte médio e apenas três perninhas, que era carregada na bolsa pelas pessoas em refúgio – daí seu nome. Houve ainda a Susie, com deficiência visual, que se parecia com um pastor-alemão.

“O que é mais marcante não são experiências em particular, mas o olhar de agradecimento de um cão, sua alegria de ter o que comer e receber amor e carinho”, aponta a mulher.

O casal revela que é frequente os cães alimentados passarem a noite embaixo do veículo, quando coincidem de estarem acampados. “Nos protegem durante a noite, como uma troca. E, quando acordamos, já estão sentados na porta, abanando o rabo e esperando carinho”, relata Eleni.

Cachorros pelo mundo

Para o casal, dentre os países visitados, a grande surpresa foi a Argentina, devido à quantidade de animais na rua. Do Chile, os viajantes destacam o tamanho dos animais sem tutores, que costumam ser maiores e parecem de raça e sadios.

“Já na Costa Rica, encontramos cães em piores situações, um cenário parecido com o que vimos no México, onde há muitos animais doentes. Nos Estados Unidos e Canadá, obviamente, quase não existem animais na rua por causa cultura de adoção”, comenta Sergio.

Foto: Arquivo pessoal

Próxima parada: Europa

Depois de oito anos apenas nas Américas, é hora de avançar para outro continente. Atualmente o casal está no Texas, nos Estados Unidos, esperando despachar o carro para a Inglaterra, agora em março. Depois de rodarem bastante por lá, eles preveem seguir para a África e, depois, Ásia, sem tempo certo para cumprir os planos.

Atualmente, Sergio e Eleni têm três fontes de renda: o aluguel do imóvel no Brasil, a fabricação e venda de bandanas ao longo do caminho e a disposição para agarrar quaisquer oportunidades que surgem pela frente.

A intenção deles segue bem clara. “Queremos seguir sendo felizes, fazendo novas amizades, deixando o melhor de nós nos lugares por onde passamos, vivendo uma vida feliz – apenas isso! Não importa onde, nem como”, resume Sergio.

Apesar de a Defender customizada não ter espaço adequado para acomodar um cãozinho, eles não descartam a possibilidade de, no futuro, adaptar o veículo para ter um animal para viajar com eles.

Fonte: UOL

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