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ENVENENAMENTO

Carne azul fluorescente: javaporcos são contaminados por pesticida que ameaça também outras espécies de animais

Além de tingir os tecidos internos dos animais de azul, o produto provoca hemorragias lentas e dolorosas e se espalha para predadores causando um ciclo de contaminação, sofrimento e mortes.

23 de agosto de 2025
Júlia Zanluchi
3 min. de leitura
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Foto: Reprodução/NewYorkPost/DW

Uma descoberta inquietante revelou a consequência devastadora dos venenos agrícolas sobre os animais. Javaporcos mortos apresentavam carne e gordura em tom de azul neon, uma fluorescência tão intensa que parecia impossível ser natural, causados pela presença de rodenticida, um veneno para ratos, no organismo desses animais.

A primeira vez que Dan Burton, especialista em fauna da Califórnia, Estados Unidos, se deparou com o fenômeno, foi em março deste ano. Ele não observou uma coloração leve, mas um azul neon intenso, semelhante ao de um mirtilo, impregnando o tecido muscular e a camada adiposa de vários animais capturados perto de Salinas, no condado de Monterey. A cena, mais do que incomum, era a prova material de um envenenamento em massa.

Estudos

Após análises conduzidas pelo Departamento de Pesca e Vida Selvagem da Califórnia (CDFW) e pelo Laboratório de Saúde Animal e Segurança Alimentar, foi descoberto que a causa era a difacinona, um rodenticida anticoagulante comumente utilizado na agricultura. O produto é deliberadamente tingido de azul para sinalizar perigo aos humanos. Mas esse “aviso” não faz sentido algum para os animais, que ingerem tanto as iscas envenenadas quanto os ratos já contaminados, absorvendo um material tóxico.

A difacinona age lentamente, impedindo a coagulação do sangue e causando hemorragias internas fatais. Esse processo prolongado enfraquece as vítimas, tornando-as presas fáceis de predadores, que acabam também envenenados. Assim, um veneno criado para roedores se propaga em diferentes níveis da cadeia alimentar, causando mortes dolorosas.

Os javaporcos, híbridos de javalis e porcos domésticos, são onívoros oportunistas. Ao consumirem roedores ou restos de veneno, transformam-se em veículos involuntários dessa contaminação.

Em 2018, estudos do próprio CDFW já haviam identificado vestígios de rodenticidas em 8,3% dos javaporcos analisados no estado e, de forma ainda mais alarmante, em 83% dos ursos estudados. O novo caso mostra que, mesmo após restrições legais ao uso de difacinona impostas em 2024, os efeitos da substância continuam se espalhando pela fauna.

Consequências

Ver um porco tingido de azul pode ser chocante, mas algo maior ainda está em jogo. A presença dessa cor berrante nos tecidos é apenas a face visível de um problema maior, já que animais que não exibem sinais tão claros também podem estar contaminados, e ninguém pode prever com exatidão as consequências de longo prazo dessa bioacumulação tóxica.

Outro ponto importante que é muitas vezes ignorado é a própria crueldade embutida no uso desses rodenticidas. Os ratos, alvos originais do veneno, não morrem de forma imediata, mas passam dias agonizando, sangrando internamente e enfraquecendo até sucumbirem.

Essa escolha deliberada por um método de morte lenta transforma o controle de pragas em um ciclo de sofrimento desnecessário, que condena roedores a uma agonia silenciosa e contamina todo o ecossistema ao deixar seus corpos envenenados à mercê de outros animais que, ao consumi-los, tornam-se novas vítimas do mesmo veneno.

O CDFW recomenda que agricultores substituam o uso de rodenticidas por métodos de manejo integrado para proteger os alimentos, com barreiras físicas, armadilhas seletivas e incentivo a predadores naturais. Para a fauna, essa mudança representa a chance de reduzir uma ameaça invisível que se espalha pelos ecossistemas e compromete a vida de espécies inteiras.

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