Por Lilian Regato Garrafa (da Redação)
Com colaboração de Antoniana Ottoni
No Brasil todo, novas conquistas pela abolição de animais em circo estão sendo feitas gradativamente. Em muitas cidades o uso de cães e gatos também já foi proibido nos picadeiros. O PL 7291/2006 pela proibição federal do uso de animais em circos foi aprovado, por unanimidade, pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania e aguarda para entrar na pauta de votação. No entanto, na contramão desse movimento, a mesma modalidade de exploração de animais para entretenimento foi inaugurada no último dia 17 de julho em São Paulo: um cão vem sendo obrigado a contracenar como ator na peça O Domador de Férias, que está em cartaz no Teatro Alfa.
Não há razões para se proibir a exploração de animais em circos e permitir em teatros. Trata-se exatamente da mesma situação. Se a exibição do cão estivesse sobre um picadeiro e não sobre um palco, a aprovação ao ato seria diferente?
O cão Puffy foi obrigado a ensaiar durante três meses antes da estreia. A tutora do cão, que também é veterinária, argumenta que todas as cenas foram trabalhadas de acordo com as atividades preferidas de Puffy. No entanto, ela desconsiderou princípios básicos de bem-estar e liberdade do animal. A exploração traveste-se de uma suposta generosidade que finge não negligenciar as vontades e gostos naturais do cão. Argumentos pouco convincentes para submeter um animal a servir aos caprichos humanos.
O mais irônico e contraditório é o uso do cão para encenar um enredo que também aborda a questão da exploração de animais. Na história, o cão integra a trupe do ‘Circo do Seu Lé’, que decide fazer apresentações em uma praia. No entanto o inspetor ‘Corta-Onda’ ameaça levar o cão embora pois não são permitidos animais na praia. ‘Seu Lé’ se lamenta: “não pode animal no circo, não pode animal na praia, daqui a pouco o único lugar aonde poderemos levar os cães para passear será no espaço!”. Com essa observação ele tem a ideia de contar no circo a história de Laika, a cachorrinha que foi o primeiro ser vivo a viajar pelo espaço (leia abaixo a verdadeira história de Laika).
Segundo a sinopse da peça, a questão que se pretendeu colocar foi: “em quais situações é aceitável que um animal colabore com seres humanos?”. Chega a ser inacreditável que, em uma época na qual os direitos dos animais estão sendo cada vez mais divulgados e reconhecidos como legítmos, uma peça de teatro infantil retroceda com este questionamento especista e a exploração ao vivo de um animal.
Animais criados para entretenimento sofrem com ansiedade e estresse resultantes das condições em que são mantidos e da violência dos treinos a que são submetidos. Muitos ficam com distúrbios comportamentais, tornando-se apáticos e neuróticos (Clique aqui para saber mais sobre o sofrimento oculto dos animais de circo).
Uma peça teatral como esta nada oferece de pedagógico: crianças são ensinadas a olhar para os animais como objetos de exibição, que se expõem, se exploram e dos quais se abusa. Há muitas outras formas de se aprender sobre os animais e seu comportamento sem a necessidade de explorá-los. Os truques exibidos como aptidões naturais dos animais na realidade têm um treinamento abusivo por trás – face pouco conhecida pela plateia de circos e espetáculos com animais em geral.
Questionar a exploração de animais e simultaneamente utilizar-se deles no mesmo ato de exploração foi uma estratégia apelativa para que se atraísse plateia, numa manobra de suposta mensagem educativa. O entretenimento e a cultura não requerem o uso de animais. É perfeitamente possível passar uma mensagem educativa por meios éticos e que respeitem a natureza de cada um.
O público não só deve boicotar este tipo de espetáculo exploratório, como colocar sua voz para protestar contra o uso de quem não teve escolha.
A verdadeira história de Laika
Laika foi o primeiro mamífero vivo a orbitar a terra.
Ela foi lançada no espaço no dia 3 de novembro de 1957, na espaçonave soviética Sputnik 2. Os cientistas naquela época sabiam muito pouco sobre os impactos que um voo espacial poderia causar em seres vivos. A nave Sputnik 2 não era designada para retornar à Terra, portanto eles não tinha a intenção de que Laika sobrevivesse. Entretanto, o pavor de estar trancafiada dentro de uma espaçonave fez com que Laika morresse poucas horas depois do lançamento; a verdadeira causa da morte e o momento de sua morte só foram revelados em 2002.
O treinamento de Laika e de mais outros dois cachorros também demonstrou o alto grau de sofrimento a que estes animais foram submetidos para realizar tal missão.
Os três cães, Laika, Mushka e Albina, eram colocados em pequenas caixas por 15 ou 20 dias, e cada vez mais diminuía o tamanho das caixas, até esses animais ficaram em um espaço tão apertado que não conseguiam nem urinar e defecar, permanecendo em um estado deplorável. Eles também foram submetidos a máquinas centrífugas para aumentar os batimentos cardíacos ao dobro e aumentar sua pressão sanguínea a níveis preocupantes. Laika, a cachorra eleita para voar na Sputnik 2 foi colocada na cápsula três dias antes da missão. Segundos depois do lançamento seu batimento cardíaco triplicou.
Laika efetivamente morreu 7 horas depois do lançamento por estresse e temperaturas extremas dentro da cápsula.
Oleg Gazenko (1918-2007), o ex-diretor do Instituto Biomédico de Moscow que selecionou Laika, nunca se recuperou do fato de ter enviado Laika para a morte. Manifestou seu arrependimento em 1998, dizendo: “Trabalhar com animais é um sofrimento para todos nós. Nós os tratamos como bebês que não podem falar. Quanto mais o tempo passa, mas eu me arrependo do que fiz com Laika. Não deveríamos ter feito isso. Não aprendemos suficiente dessa missão para justificar a morte de um cachorro”.
Em abril de 2008, foi construído um monumento para Laika inaugurado por oficiais russos, perto da unidade de pesquisa militar onde o voo de Laika foi preparado.
Outros casos perversos de animais enviados para o espaço
Infelizmente ainda existem outros exemplos tão tristes como o de Laika. É o que aconteceu com dois macacos Rhesus que foram levados dos Instituo Abkhaz, Yerosha e Dryoma, e mandados para o espaço junto com ratos, insetos, anfíbios e peixes no dia 29 de setembro de 1987. No quinto dia da missão, Yerosha, libertou seu braço esquerdo e começou a mexer no painel de controle. Também foi detectado que o tubo de comida de Yerosha estava bloqueado. A cápsula espacial voltou no dia 12 de outubro no mesmo ano. Muitos peixes morreram congelados. Este experimento antigravidade foi feito em cooperação com os Estados Unidos da América e a Agência Espacial Europeia e pouco contribuíram para valer a pena o sofrimento desses animais.
Na atualidade, o Instituto de Patologia e Terapia Experimental da Geórgia construirá uma biosfera fechada para primatas no contexto do Projeto Marte 500, com o objetivo de simular um voo para Marte. O experimento poderá incluir a exposição dos animais a níveis fatais de radiação, uma dieta muito rígida, confinamento severo e isolação prolongada. O Instituto Russo de Problemas Biomédicos está planejando enviar macacos para Marte para testar se é seguro enviar humanos em uma etapa posterior. Entretanto, já existem métodos substitutivos para testar o nível de radiação que o corpo de um ser vivo pode suportar, como o uso da Matroshka, máquina capaz de medir a radiação e avaliar o perigo dela para o astronauta; essa máquina está a bordo da Estação Internacional Espacial (ISS). Então por qual motivo animais inocentes precisam ser expostos a tanta crueldade ? Por que não investir tecnologia para a construção de escudos de proteção para radiações espaciais, como vários astronautas éticos tanto vem clamando para as Agência Espaciais.