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Cão arrisca a vida para proteger filhotes de gato

5 de dezembro de 2008
6 min. de leitura
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Por Ana Cardilho
em colaboração para a ANDA
O cachorro Leo arriscou a vida para proteger quatro filhotes de gato presos em uma casa em chamas, em Melbourne, na Austrália. Quando o incêndio começou, a família que mora na casa e um de seus cães conseguiram escapar, deixando os outros animais para trás. Os bombeiros encontraram Leo cuidando dos filhotes, que estavam em uma caixa de papelão, em um dos quartos da casa. O cachorro já tinha perdido a consciência quando os bombeiros o tiraram da casa.
Meu nome é Leo. Dizem que sou um herói.
Nos últimos dias, tenho sido levado para diversos estúdios de emissoras de TV, tiram minha foto o tempo todo e os jornalistas não se cansam de me agradar. Ganho biscoitos, bolinhas coloridas e lá vêm as câmeras, os flashes, as filmagens.
Confesso que ando cansado e, depois de posar para as imagens iniciais, tenho tirado uns bons cochilos no colo de apresentadores e repórteres.
Todos dizem: “Esse é Leo, o cãozinho que arriscou a própria vida para salvar quatro filhotes de gato.” Dizem isso como se fosse uma coisa do outro mundo. O que eles queriam? Que eu deixasse os pequeninos morrendo numa casa em chamas? Eles não teriam tentado salvar os gatinhos? Esses humanos são uns bichos estranhos…
Aquele dia amanheceu tranqüilo. Com o céu ainda clareando acordei e fui para fora de casa. Havia muitos cheiros bons no ar: café sendo coado, leite fervido, pão assado, broa de milho fresca, bolo de fubá, chá de camomila. Enquanto eu fazia minha caminhada matinal e reconhecia os aromas da vizinhança, identifiquei um conjunto de cheiros que há dias intrigava meu focinho: cheiro de filhote, cheiro de leite, cheiro de quem acabou de nascer e ainda sente medo. Estava curioso demais naquela manhã porque o perfume dos filhotes me contava que eles já estavam de olhos abertos e esfomeados como nunca. Segui o rastro, o aroma, e acabei no quintal de um vizinho.
Nessa casa havia um cachorro já idoso que nem se importava se eu passasse pelo portão. Somente nas primeiras vezes nós nos farejamos e foi como se tivéssemos feito um pacto: eu não avançaria o limite do portão e ele não precisaria latir raivoso com medo de que a comida pudesse ser roubada. Naquela manhã descobri que seria impossível não ultrapassar o portão porque eu precisava cheirar de perto os filhotes.
Entrei. Baixei as orelhas, rabinho entre as pernas e olhei de soslaio para o cão idoso. Ele mexeu uma orelha, suspirou e moveu o rabo preguiçoso como se me dissesse: “Tudo bem, eu o conheço. Vá lá. Os filhotes estão ali, naquela caixa de papelão.” Antes mesmo de eu chegar à caixa, o cão idoso deu outro suspiro e começou a cochilar, sem mais nenhum interesse em mim.
Os filhotes! Eles eram quatro bolinhas de pêlo. Três dormiam embolados, enrolados uns por cima dos outros, e o quarto estava bem acordado e lambia as patas, esfregava os olhos e soltava gritinhos. Fui bem perto e dei uma boa lambida nesse filhote meio branco, meio preto. Acho que ele gostou porque abriu  os olhos e parou de chorar. Esticou a cabeça em minha direção e ganhou muitas outras lambidas. Num instante, os três dorminhocos já estavam espertos e todos recebiam generosas lambidas na cabeça, nas patinhas, onde a minha língua canina caísse.
Eu estava gostando tanto da brincadeira que demorei para perceber: o cão idoso havia acordado, estava atrás de mim e rosnava mostrando os dentes. Ele não parecia nada amistoso. Não sei se teve ciúmes dos filhotes ou se achou que eu pudesse fazer mal a eles. Entre ficar e brigar e assustar os quatro gatinhos, achei melhor baixar o rabo, recolher a língua e sair de fininho.
O resto do dia eu comi e dormi, meus passatempos prediletos para tardes quentes.
Mas, quando a noite se aproximava, meu focinho deu o alerta: cheiro de coisa queimada no ar. Virei para o lado da cozinha da minha casa. Não… O cheiro não vinha dali. Virei para a rua e o focinho ardeu.
Saí correndo. O que quer que estivesse queimando, era grande e queimava bem. Foi quando percebi que a casa do cão idoso e dos gatinhos estava em chamas.
Era bonito o contraste das labaredas com o céu quase tingido pela noite. Mas era triste pensar que o fogo destruía tudo. Vi os donos da casa e um deles estava com o cachorro idoso no colo. Aproximei-me e telepaticamente perguntei a ele: “E os filhotes? Cadê?” Ele abaixou as orelhas e soltou a cabeça, desanimado.
Eu entendi e não havia tempo a perder. Corri até a rua de trás da casa e, num salto que eu nem imaginava que poderia dar, consegui pular para o quintal. Os filhotes estavam desesperados, choravam, pisoteavam-se dentro da caixa. Sentiam calor e a morte se aproximando. Como eu iria tirá-los dali? Como eu iria colocar quatro gatinhos na boca e conseguir pular para fora do portão? Não dava. Teria que levar um por um, mas a idéia de sair e não conseguir voltar para resgatar os outro, me deixou sem movimento. Preferi entrar na caixa. Tentaria protegê-los com meu corpo até onde fosse possível.
Na caixa tentei acalmá-los. “Psssiu, quietinhos. Alguém vai tirar a gente daqui…” Eles só se pararam de chorar porque iniciei uma vigorosa chuva de lambidas. Eu sabia que o fogo estava muito próximo, o calor era terrível. Por um instante achei que iríamos morrer. Pelo menos morreríamos juntos, todos aninhados na caixa de papelão. Foi me dando uma moleza, um cansaço… Já não conseguia lambê-los e eles também foram ficando molinhos, molinhos.
Acho que desmaiamos. Pelo menos é o que eu ouço os repórteres dizendo. Quando os bombeiros conseguiram entrar onde estávamos, levaram a caixa de papelão, já meio chamuscada, para fora e todos recebemos cuidados.
Eu acordei no meio de uma massagem cardíaca e me deram água fresca. Mas eu estava agitado, ansioso e perguntava entre ganidos e latidos: “Cadê os filhotes?” Um bombeiro parece ter entendido e me levou até eles. Puxa! Que alívio! Eles estavam bem! Não pude fazer outra coisa a não ser lambê-los… Cada pedacinho deles… Fui lambendo meus pequenos gatos e essas imagens ganharam o noticiário.
Depois dizem por aí que cães e gatos são inimigos. Tolices do ser humano…
Assista a reportagem
Link –> http://www.bbc.co.uk/portuguese/avconsole/bb_wm_fs.shtml?redirect=fs.shtml&lang=pt-br&nbram=1&nbwm=1&bbwm=1&bbram=1&ws_pathtostory=http://www.bbc.co.uk/portuguese/news/avfile/2008/10/&bbcws=1&ws_storyid=081027_caovalente_console
Ana Cardilho é escritora e jornalista. Com um olho na realidade e outro na prosa imaginária conta com mais de 20 anos de experiência em rádio e TV, tendo feito reportagens, edição e fechamento de telejornais e programas, e é ficcionista.

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