Está chamando a atenção dos motoristas de vários Estados nordestinos a campanha da empresa Bandeirantes Mídia Exterior, que alerta para a incivilidade no trânsito. Nos outdoors, usam-se imagens dos rostos de pessoas fantasiadas de animais, esteriotipando-lhes comportamentos mal-educados enquanto são transmitidas mensagens para os condutores não sujarem as vias, não atirarem xingamentos e não promoverem brigas de trânsito. Para a maioria das pessoas, são publicidades curiosas, mas, para a ética animal, não são nada engraçadas – são na verdade um assunto sério que merece ser levado a debate.
Para o senso comum, a campanha é engraçada, criativa e inocente, uma ideia bem bolada que induz quem dirige a evitar o comportamento bruto característico de certos animais. Mas, através de uma análise crítica percebemos que essa suposta “estupidez” animal é nada mais que um estereótipo negativo que a empresa de mídia publicitária está redivulgando à população.
Ao contrário do que a propaganda alardeia, o porco, embora possa curtir brincar na lama, é um animal que gosta de limpeza, sendo considerado por muitos zoólogos como um dos mamíferos domesticados mais limpos. A onça, por sua vez, taxada de raivosa não por ser um bicho ranzinza por natureza (coisa que não é), mas por seus urros estridentes e por atacar e matar presas com aparente agressividade – ela o faz para comer, pois é carnívora.
Já o cão é acusado de ser ranzinzo pelos seus latidos, que são imaginados antropomorficamente como algo análogo a xingamentos e declarações de hostilidade. Mas bons tutores de cães sabem muito bem que eles são bichos muito dóceis e amigos, e não é regra geral o latido significar que o cachorro irá atacar o animal para quem está latindo.
Os outdoors, com sua zoomorfização indevida da incivilidade tipicamente humana, está recriando estereótipos preconcebidos para as três espécies das propagandas. Estão estimulando as pessoas a verem-nas com preconceito e antipatia: bichos sujos e brigões dificilmente serão vistos com simpatia e mesmo respeito.
Parece uma análise irrelevante, mas a antipatia pode significar muito em termos de respeito à vida animal. Quem afirma que odeia uma determinada espécie é muito mais capaz de desprezar, agredir e matar seus espécimes do que quem diz gostar dela ou não ter nada contra. Torna-se bem mais complicado respeitar e querer bem a um animal de que não se gosta, que é culturalmente rejeitado por ser visto como impuro, sujo, raivoso, assassino, e bem mais fácil torná-lo alvo de maus-tratos.
Também é ferida a ascendente ética de direitos animais, que considera os bichos seres merecedores de respeito e dignidade. A empresa promotora da campanha em questão está tratando cães, porcos e onças com desrespeito e como seres indignos, uma vez que lhes associa imagens negativas e rejeitáveis. Esses animais não entendem que estão sendo desrespeitados e tratados culturalmente mal, mas poderão sentir as consequências vindas de pessoas mais desmioladas, com violência, abandono e declarações de que “só servem para fornecer carne ou casacos de pele”, proporcionados pela antipatia semeada.
A Bandeirantes Mídia Exterior está certa em conscientizar os motoristas a uma conduta civilizada, mas erra feio em impor a determinados animais uma má e odiosa reputação, como bichos dotados de comportamentos repudiáveis. Fica o pedido para que a empresa continue seu apelo pela civilidade, mas deixe os animais, que estão sendo vítimas de estereotipação preconceituosa e prejudicial, de fora dessa campanha.
Fonte: Arauto da Consciência