A nossa percepção é limitada. Do alto, ao enxergamos a floresta, não vemos a árvore. Na terra, ao vermos a árvore, não percebemos o crescimento dela. É fácil saber quanta madeira uma árvore renderia. Mas qual o valor dela para inúmeras outras formas de vida? Para responder a essa pergunta, não basta um simples olhar. É preciso observar, esquecer o relógio e se transformar em uma testemunha do tempo.
Os beija-flores formam o grupo das menores aves do mundo – pesam entre 2 e 21 gramas. E é um privilégio poder contemplar essas joias da natureza, uma vez que os beija-flores só existem nas Américas e em nenhum outro lugar do mundo. Quando pousados, já encantam. Só assim podemos admirar facilmente a variedade de espécies e suas cores metálicas.
A iridescência das penas se revela e impressiona. É como se a pequena ave tivesse luz própria, um brilho que esbanja beleza. Seria para atrair a fêmea? É provável, já que as fêmeas costumam ser menos coloridas. Mas o que dizer do beija-flor-preto-e-branco?
Se faltam cores, sobram cuidados com as penas. Na hora do banho, todas têm que ser bem limpas.
Com os beija-flores, a natureza prova que tamanho não é documento. No mundo das aves, eles são os menores. Por outro lado, são também os mais rápidos, capazes de proezas que nenhuma outra ave consegue.
Mestres do voo, param no ar, rodopiam e fazem curvas, voando de marcha a ré. Como bailarinos do ar, parecem não ter limites e desafiam a gravidade com manobras ousadas, sempre atrás do alimento: o néctar das flores.
Mas o beija-flor come para voar ou voa para comer? “As duas coisas, porque o beija-flor é uma ave com uma dieta bem especializada. Ao todo, 90% da sua alimentação são de néctar. E os outros 10% estão entre pólen e pequenos invertebrados. Os ossos que correspondem aos braços do beija-flor são muito curtos. E 70% da asa do beija-flor correspondem ao que seria nossa mão, só que são ossos fundidos e alongados. Essa forma permite ao beija-flor ter a articulação do ombro mais livre. Ele consegue rotacionar cerca de 180°. Então, ele consegue fazer um movimento em forma de oito com as asas e bem rapidamente consegue ficar voando parado no ar”, explica a bióloga Maria Flávia Conti Nunes.
Algumas espécies chegam a comer de oito a dez vezes o peso do corpo por dia. Imagine um homem de 70 quilos comendo até 700 quilos em um só dia. A máquina de voar é impulsionada por um coração que equivale até 5% do peso total do corpo. Em humanos, o coração não ultrapassa 0,5%. Proporcionalmente, o coração de um beija-flor é bem mais pesado que o nosso e bem mais ativo também. Chega a bater – ou melhor, vibrar – até mil vezes por minuto. Mas é a vibração das potentes asas que faz dessas aves um show à parte do mundo selvagem.
O segredo de toda essa habilidade de voo está na rapidez e no movimento das asas desses bichos. O beija-flor-de-garganta-rubi pesa sete gramas e bate as asas 28 vezes em um só segundo. É tanta vibração que até se pode admirar, mas não dá para enxergar as asas deles. Tanto os olhos humanos quanto a câmera não conseguem definir tamanha vibração.
Na imagem digital, a câmera lenta ajuda a nossa percepção, mas não revela todos os movimentos. O motivo é simples: a câmera de TV capta 30 quadros por segundo, quantidade confortável para nossos olhos. Mas os beija-flores conseguem bater as asas até 80 vezes por segundo. São tão rápidos que muitos movimentos nem são registrados.
Mas e se captássemos 1.000 quadros por segundo? É justamente o que faz a câmera de alta velocidade. Com o equipamento tradicional, a capitação é em tempo real, como estamos acostumados a ver. Já com a câmera de alta velocidade, parece que o tempo para. A 1.000 quadros por segundo, temos o efeito de superslow, com muito mais definição. Em outras palavras, espichamos o tempo. Segundos viram minutos.
Quando apontamos a lente para os beija-flores, enxergamos o que os olhos não veem. Toda a beleza do voo dessas aves é revelada em minúcias. A vibração das asas desaparece. Agora, mais do que nunca, podemos comprovar: em uma fração de segundo, o beija-flor realmente para no ar.
O beija-flor é pequeno, mas forte. Os músculos peitorais podem chegar até um terço do peso total da ave. De que outra maneira poderíamos ver a acrobacia para ganhar impulso e subir? As abelhas e marimbondos, companheiros na busca pelo açúcar, estão sempre por perto. Às vezes, até demais.
Os beija-flores têm uma importante missão na natureza. As flores lhes dão o alimento e, em troca, eles garantem a reprodução delas, graças a um detalhe.
“Eles têm que colocar o bico, às vezes, toda a cabeça dentro da flor para sugar esse néctar. E quando ele faz isso, o pólen da planta fica grudado no bico ou na testa. Quando ele vai se alimentar em outra flor, pode polinizar, levando esse pólen para completar o ciclo da reprodução”, esclarece Maria Flávia Conti Nunes.
Ao visitar uma planta, o beija-flor talvez pense estar apenas se alimentando. E, mesmo sem saber, contribui para multiplicação da vida. Essa tarefa também é feita pelos insetos e até por morcegos. Mas uma coisa é certa: nenhum faz isso com tanta graça e beleza.
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Fonte: Globo Repórter