O executivo fez aprovar o Orçamento sem uma linha sobre o novo canil prometido, nem sobre o melhoramento do existente – sem licenciamento, lotado, degradado, a fazer muito mais mortes do que esterilizações e adoções. Entre o prometido e o programado vê-se um fosso.
Dois programas, muitas promessas
As recentes Assembleias Municipais do Porto e reuniões de Executivo, com os novos representantes, decidiram sobre o futuro próximo dos animais abandonados. Não houve resposta às reivindicações do Cordão Humano pela Adoção e Esterilização dos Animais, a 24 de novembro, nem resposta concreta à tentativa de diálogo de quem o organizou e aos mais de 2000 cidadãs e cidadãos que assinaram a petição associada. Só por si, estes foram sinais de que, desta Câmara, não podemos esperar nenhuma sensibilidade nem nenhum bom senso nesta matéria. Um Orçamento sem qualquer referência a medidas para o canil, é sinal porventura ainda mais evidente e certamente indesmentível, dado nos dias que se seguiram.
Recuemos uns meses
Durante a campanha eleitoral, Manuel Pizarro comprometera-se com a construção dum “canil/gatil municipal” e uma “lógica de promoção de adoção e não morte de animais” (ponto 25 do seu programa). Faria sentido um novo canil? Talvez, embora nada se tenha sabido sobre a sustentação técnica ou econômica dessa ideia. Fazia e faz sentido adotar a referida lógica, isso sim. E esta seria a lógica que se esperaria, depois de ler o seu programa ou de ter assistido às declarações durante a campanha autárquica, orientadas para cativar quem tem a sensibilidade para os direitos animais. Cativou aliás alguns ativistas da causa animal para o apoiarem nessa campanha, entre eles dirigentes do PAN.
Rui Moreira comprometeu-se nesse mesmo momento, declarando no seu manifesto eleitoral (ponto Direitos Animais) que a “esterilização dos animais será efetuada no canil” e “a adoção no canil será incentivada através de um site e todos os animais serão previamente esterilizados”. Parecia haver convergência de intenções com o programa de Pizarro, embora nada de concreto se dissesse sobre as instalações do canil. Da convergência neste ponto nada sabemos de concreto, mas soubemos da coligação entre candidaturas. Nos novos órgãos autárquicos, Moreira e Pizarro coligados representariam assim, já não um, mas dois compromissos de proteção aos animais de rua e a favor da esterilização e adoção.
Até aqui parecia bem. E basta parecer? A objetivos tão sonantes, vão corresponder que atos?
Mantém-se um canil de assassinatos
O executivo camarário encarregou-se de eliminar as dúvidas: ao fazer aprovar o Orçamento Municipal para 2014, em ponto nenhum previu a construção dum canil, nem previu sequer o melhoramento das condições do existente, canil esse que continua sem licenciamento, lotado, com instalações muito degradadas.
Os próprios números da CMP, do relatório de atividades recente, são preocupantemente esclarecedores: 700 cães mortos, 400 gatos mortos, uma baixíssima taxa de adoções.
Ora “ideias” sem sustentação orçamental não são para levar a sério – não é esse o repetido argumento de tantas figuras desta nova coligação? Lembrando que, em muitos casos, se trata de figuras recicladas dos arranjos políticos dominantes no executivo anterior, podemos com mais razão perguntar: onde está a mudança, onde está a continuidade?
Política para animais numa cidade boa para viver
A campanha E se virássemos o Porto ao contrário?propôs a requalificação do Canil (pontos 97 e 98) no quadro duma política municipal para os animais abandonados e no âmbito da legislação já existente. A 23 de agosto, em sessão pública, foi feita a apresentação dessas propostas específicas para os “Animais abandonados e a cidade”.
Concretamente, José Soeiro defendeu “converter o canil municipal num centro de bem-estar e proteção de animais abandonados”.
Teve acima de tudo o cuidado de, em sessões e momentos próprios, pôr a ênfase nas políticas de Recolha-Esterilização-Devolução, a única solução realista para evitar os assassinatos indiscretos. É que, como comprovadamente se sabe, esterilizar é, ainda por cima, mais barato do que abater. Contrariou a atuação punitiva da Câmara para os cuidados prestados na rua aos animais, defendendo as vantagens – entre elas a maior eficácia – em sensibilizar para os possíveis inconvenientes duma intervenção individual, apostando em ações consertadas entre pessoas cuidadoras, associações e autarquia.
Esta campanha acrescentou ainda a necessidade de implementar os conceitos de “gatos municipais e de cães comunitários”, tal como a legislação nacional já prevê, através de regulamentação local que permita a sua concretização. Esta proposta é coerente com a Resolução nº 69/2011, de iniciativa do Bloco, aprovada por unanimidade a 18 de fevereiro na Assembleia da República. Esta unanimidade, contudo, não resultou em práticas coerentes dos outros partidos que assim votaram: quase 3 anos depois, a cidade do Porto continua a não ter qualquer regulamentação nessa linha.
Estas foram propostas sensíveis aos direitos animais e foram sempre propostas sensatas, tendo em conta as condições da cidade, as finanças da autarquia, as práticas correntes de várias associações. E, mais que tudo, foram e são propostas exequíveis.
A política municipal para os animais abandonados foi pensada de forma integrada naquilo que se considera ser uma cidade boa para viver, para humanos e para a sua relação com outros animais.
Nesta campanha de iniciativa do Bloco de Esquerda, as propostas foram elaboradas depois se visitar mais uma vez o canil municipal, de conversar com investigadores e professores da Universidade do Porto, com ativistas e dirigentes de associações de defesa dos animais, de se estudarem práticas de algumas cidades dentro e fora do país, e só depois foram apresentadas durante um debate público. Porque houve sempre a firme vontade de propor o que fosse justo e que fosse também exequível.
Resta agora saber o que terá a dizer o atual executivo da Câmara do Porto, e em particular os cabeças de listas agora coligados, a quem depôs esperança nestas suas promessas eleitorais.
Na questão dos direitos dos animais se pode verificar também a distância – quando não o oportunismo – entre declarações eleitorais e atos, a falta de responsabilidade de quem se compromete para apenas deixar tudo como dantes.
Começou a contar o tempo de pedir contas.
*Esta notícia foi, originalmente, escrita em português europeu e foi mantida em seus padrões linguísticos e ortográficos, em respeito a nossos leitores.
Fonte: Esquerda