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CRISE CLIMÁTICA

Calor de 40º sem água: a seca extrema que castiga milhões no México

Com temperaturas superiores a 40°C, seus habitantes precisam sobreviver com um racionamento em que só há água potável nas torneiras por 6 horas por dia.

1 de julho de 2022
BBC News
8 min. de leitura
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A cidade de Monterrey, no México, tem cerca de 5 milhões de habitantes — Foto: Getty Images

Monterrey, a segunda maior cidade do México, está passando por uma seca sem precedentes na região.

A cidade, onde vivem mais de 5,3 milhões de pessoas, sofre com a falta de água desde o início do ano, mas neste mês a seca atingiu seu pico e passou a ser classificada como “extrema”.

Com temperaturas superiores a 40°C, seus habitantes precisam sobreviver com um racionamento em que só há água potável nas torneiras por 6 horas por dia.

As reservas que alimentam a cidade estão praticamente secas, como a barragem Cerro Prieto (2%) ou La Boca (9%). Há dias em que não há garrafas e galões de água potável nas lojas, mesmo nos bairros mais ricos.

“Já vivemos uma crise climática extrema”, diz o governador Samuel Garcia, que chegou a mandar dispersar iodeto de prata nas nuvens para tentar provocar chuva.

Para o pesquisador José Antonio Ordoñez Díaz, Monterrey chegou ao “dia zero”, ou seja, o momento que se vislumbrava há anos, em que a população sofreria escassez de água devido à exploração descontrolada dos recursos e à falta de gestão.

Em conversa com a BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, o acadêmico do Instituto Tecnológico de Estudos Superiores de Monterrey e da Faculdade de Ciências da Universidade Nacional Autônoma do México explica como se chegou a esse ponto e quais as possibilidades que a cidade tem para superar a crise.

BBC News Mundo – Por que você diz que Monterrey atingiu seu “dia zero”?

José Antonio Ordoñez Díaz – As pessoas em Monterrey atualmente não têm água para lavar roupas, para usar no banheiro, a maioria das casas está recebendo apenas alguns litros de água. É o que sobrou nas barragens. O dia zero chegou a Monterrey: é o momento em que você percebe que não tem mais água para fazer as coisas. É algo extraordinário, Monterrey é uma cidade que nunca ficou sem água. E agora tem um déficit hídrico de mais de 31 milhões de metros cúbicos. Eles dependem apenas da chuva.

O dia zero também é o momento em que você deve mudar os paradigmas da forma como a água está sendo usada, que você percebe que deve tratá-la para reciclá-la e filtrá-la. Mas é algo que não está sendo feito.

BBC – É um problema gerado pelo consumo de uma população que cresceu exponencialmente ou pelas muitas indústrias da cidade?

Díaz – O Estado de Nuevo León (onde fica Monterrey) está entre os pontos mais quentes do país, com temperaturas de até 48°C ou quase 50°C. Por motivos de ventos e outras coisas. Mas também estamos explorando nosso país, alterando nosso território, dando concessões às indústrias do norte.

E, em particular, as indústrias de Monterrey consomem muita, muita água. E a água que as indústrias usam vai pelo pelo ralo, porque eles não fazem o tratamento da água.

A produção de refrigerante ou cerveja consome em um ano o que as pessoas consomem em 10 anos. Ter atividades agrícolas, pecuárias ou industriais em uma área com estresse hídrico requer uma boa gestão para que o que vemos agora em Monterrey não aconteça.

BBC – O atual governo de Nuevo León diz que é um problema herdado de gestões anteriores.

Díaz – O governo de Nuevo León é um governo de selfies, de tirar fotos aqui e ali, eles não entendem a situação de crise hídrica. Eles dizem que não podem retirar as concessões de água ou as empresas que estão produzindo em seu território, porque elas pagam impostos e geram empregos. Mas o Estado está ficando sem água.

Então eles optam por fechar a torneira das pessoas, mas não das empresas. Há um conflito de interesses muito sério. É como se uma pessoa que administra os recursos de sua casa lhe dissesse que não vai lhe dar a água, é melhor usá-la para lavar o carro. Um governo não deve culpar o fato de ser um legado do passado, mas fornecer soluções.

BBC – Revendo imagens históricas de satélite, há momentos em que as barragens parecem mais vazias do que estão hoje, por que não ocorreu uma crise semelhante?

Díaz – Imagens de satélite mostram uma época em que não havia a população e o número de indústrias que há hoje. Ao aumentar esses números, você aumenta o consumo. Mas o problema é que também não há estações de tratamento.

No governo de Felipe Calderón (2006-2012) foram outorgadas 7 mil concessões de mineração, de um dia para o outro. E com [Ernesto] Zedillo (1994-2000) e com [Vicente] Fox (2000-2006) as concessões das zonas de água mais importantes foram dadas às indústrias de refrigerantes e cervejarias.

É muito claro que o interesse das indústrias afeta completamente o desenvolvimento da nação. E eles nunca levaram em conta o desmatamento. Neste momento não há mais áreas viáveis ​​para recarga de água e com isso está se perdendo muito mais.

A represa de La Boca, que alimenta a cidade, está praticamente seca — Foto: Getty Images

BBC – Qual a explicação para a seca no norte do país?

Díaz – Temos regiões naturais muito secas. Existem regiões do México com menos de 100 milímetros, ou seja, a quantidade máxima de água que cairá em um ano é de 100 litros por metro quadrado. Em 70% do país, a quantidade de água é inferior a 500 milímetros. É um país sazonalmente seco, onde a água não é abundante. Portanto, 70% de todo o território não é adequado para o estabelecimento de grandes cidades ou grandes plantações.

Existe um equilíbrio muito frágil entre a água que chove e o lençol freático. E se você explorar exageradamente qualquer tipo de aquífero, você quebra o equilíbrio. Neste momento, os aquíferos subterrâneos estão sendo explorados de forma inconcebível e contaminados com fertilizantes, o que altera as condições naturais da água. Estamos praticamente atirando em nós mesmos, não em um pé, mas nas duas pernas.

Além disso, o país tem uma barreira natural de montanhas e não há como as nuvens passarem e alimentarem essas regiões com água.

E tem o fator do crescimento da população e de como a água é distribuída.

Em minha pesquisa, mostro que em 1962 o Brasil tinha 73 milhões de metros cúbicos para cada habitante. Em 2014, esse número caiu para apenas cerca de 73 mil metros cúbicos. Isso significa que a água potável disponível diminuiu em média 70%. O México tinha 10 bilhões de metros cúbicos e caiu para 3 mil.

E a água potável que é dividida entre os habitantes do planeta não considera a flora e a fauna, nenhuma outra espécie. Então você assume que toda a água é para os humanos e os ecossistemas naturais não são levados em consideração.

Outro componente é o desmatamento. No período de 1985 a 2002, foram desmatados aproximadamente 1,5 milhão de hectares por ano de diferentes ecossistemas no México. Se sobrepusermos um mapa de desmatamento sobre o mapa de temperatura máxima e os mapas de clima e precipitação, a explicação aparece. O desmatamento explica porque essas regiões têm esse déficit hídrico e por que ele se acentuou.

BBC – Existe uma solução de curto prazo para crises de seca extremas como a de Monterrey?

Díaz – Monterrey poderia ser uma cidade próspera, a mais bonita do país, com as florestas e as cachoeiras de suas montanhas. Mas o mau planejamento e o abuso da natureza estragam a cidade. É necessária intervenção especializada. É assim que você entende o que está acontecendo e entende a necessidade de restaurar os sistemas naturais.

E falta educação ambiental, porque as pessoas estão se adaptando a essa situação, mas não estão pensando no que vai acontecer no ano que vem. Somos tão egoístas em tudo isso que vemos o planeta como se fosse nosso, quando na verdade é um planeta compartilhado.

Monterrey cresceu, transbordou, invadindo ecossistemas. A seca é o custo da deterioração ambiental. Hoje o que eles fazem é ficar esperando a chuva.

Fonte: G1

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