No Brasil, os ipês costumam florescer de abril a outubro. Porém, esse “calendário” está sendo alterado por alguns motivos, principalmente por conta das mudanças climáticas. O que desencadeia a florada é o fotoperíodo, ou seja, o comprimento dos dias associado às temperaturas peculiares a cada estação, além da disponibilidade de água e dos nutrientes do solo.
“O fotoperíodo e a temperatura são os responsáveis por despertar os meristemas caulinares, ou seja, as gemas das plantas que permanecem adormecidas através da produção de hormônios que as induzem a se transformar em gemas florais. As mudanças de temperatura, conforme temos sentido nos últimos tempos, por exemplo, no inverno dias com temperaturas de verão e vice-versa, interferem nesse ciclo, levando aos fenômenos de floradas adiantadas ou retardadas, mais curtas ou mais longas”, explica a engenheira agrônoma, formada pela ESALQ-USP, Dionete Santin.
Inclusive, em períodos com disponibilidade hídrica menor, devido à falta de chuvas e, consequente, menor volume dos lençóis freáticos, a floração é afetada.
“Quando os ipês sofrem com a seca, eles entram em um mecanismo de defesa que estimula a produção de flores (seguida de sementes) para garantir a reprodução da espécie. Por isso, em algumas regiões onde o inverno é mais seco, os ipês podem ter floradas mais abundantes”, afirma o engenheiro agrônomo, professor da Unifal (Universidade Federal de Alfenas) e Dr. em Fisologia Vegetal, Breno Régis Santos.
É isso mesmo, ao contrário do que muitas pessoas podem pensar, os ipês são plantas adaptadas a solos pobres e secos, e precisam de um período de seca para induzir a floração.
“Se houver muita chuva ou irrigação durante esse período, os ipês podem atrasar ou até mesmo abortar a floração. Por outro lado, se houver uma seca prolongada ou severa, os ipês podem antecipar a floração para garantir a reprodução antes de morrer”, detalha o docente da Faculdade de Biotecnologia da Unifal.
Porém, em relação à temperatura, para que aconteçam floradas “no período certo”, o ideal é que o clima esteja ameno, nada de muito quente ou muito frio, pois os ipês são plantas tropicais e subtropicais.
“Temperaturas muito baixas ou muito altas podem afetar o metabolismo e o desenvolvimento, alterando o seu ciclo de floração. Em regiões mais frias, os ipês podem demorar mais para florescer, enquanto em regiões mais quentes, eles podem florescer mais cedo”, diz João Vitor Calvelli Barbosa, doutorando em Ciências Ambientais pela Unifal.
A iluminação é outro fator que pode interferir na época das floradas dos ipês ao longo dos anos. Os ipês são plantas heliófilas, ou seja, que gostam de sol pleno. Eles precisam de pelo menos seis horas diárias de luz solar direta para estimular a formação das flores. Se os ipês estiverem em locais sombreados ou com muita poluição atmosférica, eles podem ter dificuldade para florescer ou apresentar flores menos vistosas.
Mas não é apenas a iluminação natural que interfere na floração dos ipês, mas a artificial também. “A iluminação urbana e principalmente a ‘artística’, que iluminam as copas das árvores, podem afetar a capacidade de percepção das estações por parte das espécies, influenciando nos períodos de floração”, comenta o discente.
Embora seja bem rara, outra curiosidade confirmada pelos três especialistas é a de que existe a possibilidade de os ipês terem floradas expressivas durante anos seguidos, contrariando a ideia de que caso tal ipê tenha tido uma floração expressiva nesse ano, ele não possa repeti-la no ano que vem.
Isso pode ser causado por eventos climáticos imprevisíveis que afetam o ciclo de crescimento da planta. Por exemplo, um período de seca seguido por chuvas abundantes pode estimular a planta a florescer novamente. No entanto, floradas seguidas podem ter impactos negativos na saúde da planta, uma vez que o processo de floração requer recursos significativos da planta.
“Algumas espécies de ipê, como o ipê-amarelo-do-cerrado (Handroanthus ochraceus) e o ipê-roxo-de-bola (Handroanthus impetiginosus), podem apresentar duas floradas no mesmo ano, uma no inverno e outra na primavera. Isso ocorre quando há uma variação na temperatura e na umidade do ar que estimula a produção de novos botões florais. No entanto, isso não é comum e pode prejudicar o crescimento e a saúde dos ipês”, explica Breno.
Dessa forma, não é possível generalizar que os ipês terão floradas fortes a cada dois anos ou consecutivamente. São muito os fatores que podem impactar a floração deles.
Até mesmo “as podas em épocas erradas podem prejudicar a formação de botões florais. Reduzindo assim, a capacidade de floração das árvores por mais de um ano. Caso seja essencial a poda dessas plantas, elas podem ser conduzidas em períodos de dispersão das sementes. Para apreciar melhor os ipês, é importante conhecer as características de cada espécie e as condições ideais para o seu cultivo”, completa João Vitor.
Calendário dos ipês no Brasil
Nesse conjunto de cores que embelezam as cidades o primeiro ipê a florescer é o roxo, também conhecido como roxo-de-bola, cuja cor alguns entendem ser rosa.
“Na região Sudeste a época de floração ocorre de abril ou maio a junho, esporadicamente até julho. Sua florada expressiva dura entre 7 a 10 dias e ocorre, normalmente, uma única vez. Após isso, encerra o período de polinização e as pétalas coloridas e viçosas, começam a murchar e a cair porque perdem a sua função de atrair os polinizadores. A partir de então a planta direciona toda a sua energia para o desenvolvimento dos frutos uma vez que seu maior objetivo é produzir as sementes que vão garantir a perpetuação da espécie”, descreve Dionete.
Já o ipê-amarelo (Handroanthus albus), segundo ela, costumava ter a florada concentrada em setembro, entretanto, atualmente não é raro vê-lo florido desde o início de agosto até outubro. “Certa vez vi um indivíduo jovem em flor no mês de fevereiro, apresentando florada tímida. Raro, mas aconteceu”, relata.
Outra curiosidade dessa aquarela é a floração do ipê-branco (Handroanthus roseoalbus). Ela pode acontecer ou não várias vezes entre abril a outubro. “Podem ser floradas seguidas, causando um contraste muito bonito com a espécie de ipê que esteja em floração naquele mês. Esse fenômeno é mais comum de ocorrer no branco por uma característica genética da planta”, informa Dionete.
Encerrando o show dos ipês no Brasil, temos o ipê-rosa (Handroanthus pentaphyllus), uma espécie exótica trazida de El Salvador. Normalmente é a última espécie a florir, sendo vista de setembro ao final de outubro, “mas lembrando que todas essas datas podem mudar conforme as condições climáticas”, conclui.
Fonte: G1