Na Irlanda, contrabandistas estão lucrando com a crueldade animal. Filhotes estão sendo criados em condições insalubres e sendo vendidos para famílias na Grã Bretanha através da internet e de criações de família que parecem ser legítimas. O problema se acentuou com a pandemia devido à procura das pessoas por animais domésticas no período em que estiveram em casa. Segundo dados liberados pelo governo na última semana, a importação legal de cachorros da Europa, incluindo a Irlanda, aumentou cerca de 75% por cento desde janeiro deste ano, mas especialistas acreditam que isso seja apenas uma pequena parte, comparada ao tráfico.
O chefe executivo da RSPCA, uma associação que atua na Inglaterra e em Gales em defesa dos direitos animais, diz que há a probabilidade de milhares de cachorros estarem sendo contrabandeados para o Reino Unido e sendo vendidos no mercado ilegal, a maior parte vinda da Irlanda.
De acordo com a DSPCA, associação de Dublin, na Irlanda, que realiza resgate e reabilitação de animais, cerca de 30.000 cachorros vindos de fazendas legais e ilegais de criação de cachorros irão chegar ao Reino Unido ainda este ano. Ainda assim, mesmo as fazendas legalizadas podem oferecer condições ruins para os filhotes.
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Muitos filhotes são aprisionados em galpões sem janelas e com sistema de segurança. Devido a superlotação, os animais acabam adquirindo doenças, como parvovírus, que ataca o intestino e que pode levar até a morte. Além disso, alguns filhotes desenvolvem problemas psicológicos como o comportamento destrutivo, devido ao tempo em que ficaram presos. O caso é ainda pior para as fêmeas que passam o tempo todo presas e são utilizadas como uma máquina, dando à luz filhotes que são retirados delas muito cedo. Muitas não chegam a ver a luz natural.
A importação de cachorros para revenda na Grã-Bretanha é regulamentada, mas muitos criadores alegam que os animais são domésticos e da família. Esse comércio cruel também é conhecido por utilizar gangues criminosas no contrabando dos filhotes, colocando os pequenos e inocentes animais em situações inadequadas, sem comida, água, o que leva a morte de alguns deles no meio do caminho ou ao chegarem em suas novas casas.
O crime organizado torna difícil de saber quais são essas fazendas, mas considerando a quantidade enorme de cães levados do mar da Irlanda para a Grã-Bretanha, é fácil dizer que há um número grande de fazendas participando dessa criação.
O portal Daily Mail tentou visitar algumas fazendas de filhotes e fez algumas perguntas. Logo na primeira abordagem, ao sul de Dublin, foi possível ver o tipo de situação que eles enfrentariam.
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Em uma fazenda, foi possível ver cães adultos e filhotes misturados e amontoados em gaiolas pequenas e sujas. E os animais possuíam um olhar desamparado. O fotógrafo do portal tirou algumas fotos, e um homem aparece os confrontando, gritando, e ordenando que saíssem de lá. Ao ser perguntado sobre seu nome e sobre as condições encontradas na fazenda, o homem recusou-se a falar e anotou a placa do carro da equipe.
De acordo com um porta-voz do conselho, que recebeu as fotos retiradas pelo jornal, a fazenda foi inspecionada em agosto e que as instalações estão em conformidade com a lei, segundo o conselho.
Tim Kirby, um importante veterinário Irlandês, analisou as imagens tiradas pelo Mail, e disse que infelizmente a situação é típica dessas criações em grande escala, já que o criador tenta aumentar o número de cães privando os animais de bem-estar e saúde. O veterinário acrescenta que a expressão de medo que é possível ver nos animais indica a não socialização dos mesmos, aumentando as chances deles virem a ser medrosos ou agressivos.
A situação pode ser ainda pior. A criação industrial de filhotes em números de grande escala é licenciada em algumas fazendas que podem ter centenas de fêmeas reprodutoras. Por ano, podem ser gerados milhões em receita.
Outra fazenda visitada pelo portal Daily Mail, e que possui licença industrial para esse tipo de reprodução, anunciou no ano passado centenas de filhotes, mas que listados representavam um número bem menor do que a licença permite, ou seja, o restante dos animais pode estar indo para outro lugar.
A matriarca da família responsável pelo local, recusou-se a falar com a equipe do jornal. Logo depois, outros dois homens apareceram querendo expulsá-los até que uma mulher apareceu e após ordenar que não tirassem fotos do local, conversou com a equipe. Segundo ela, a família não exporta cachorros para o Reino Unido, sendo todos os filhotes vendidos na Irlanda. Mesmo negando tudo, ela não permitiu que a equipe visse os cães da fazenda.
Essa foi apenas uma amostra da crueldade deste tipo de negócio. Em entrevista ao Mail, o CEO da DSPCA, Brian Gillen, relatou que sabe-se que os contrabandistas estão pela parte rural da Irlanda, e que essas fazendas ilegais são “invisíveis”, muitas com ligações a gangues criminosas. A possibilidade de dobrar o preço na venda desses cachorros no Reino Unido, é o que torna o negócio atrativo para eles. Ainda de acordo com Gillen, sua organização já cumpriu vários mandados contra esses contrabandistas, mas ainda é difícil controlar a situação. Os travellers, alguns nômades que acabam ajudando esses contrabandistas, conseguem se esconder com facilidade, sem deixar pegadas.
Devido ao aumento do preço dos cachorros, as recompensas dos contrabandistas também subiram. O preço de dez buldogues franceses, por exemplo, pode chegar até 40.000 euros na Grã-Bretanha, quase o mesmo preço de um quilo de cocaína. Apesar dessa semelhança, somente o tráfico internacional de drogas tem penas rígidas, podendo levar à prisão perpétua.
Em Londres, no mês de fevereiro um contrabandista de cachorros foi condenado a apenas uma pequena multa e uma ordem de serviço comunitário. Outro caso, também em Londres, levou a gangue de contrabandistas para a prisão, e a carga importada por eles estava avaliada em 2,5 milhões de euros. A RSPCA precisou sacrificar muitos dos cães, enquanto outros já estavam praticamente morrendo.
As autoridades Irlandesas parecem relutantes em assumir controle dessa situação. Na Grã-Bretanha, a Lei de Lucy tornou ilegal a venda a terceiros, ou seja, as fazendas britânicas de filhotes não podem mais vender os animais através de revendedores e pet shops sem enfrentar algum tipo de processo. O governo britânico também planeja proibir a importação de cachorros com menos de seis meses de vida, mas ainda pode levar um tempo até que a lei saia do papel.
Na Irlanda, somente uma mudança e ação radical das autoridades é que pode ajudar e salvar os cães da situação cruel em que são colocados. Esses animais merecem um mundo muito melhor que esse.