Os cachorros Atos e Vida, que foram explorados em buscas por sobreviventes após o crime ambiental de Brumadinho, em Minas Gerais, foram “aposentados”. Embora não possam ser considerados seres aptos a trabalhar, por pertencerem a uma espécie que, ao contrário da humana, não tem condições de consentir o ato do trabalho, os cachorros foram aposentados pelo Corpo de Bombeiros de Minas Gerais nesta semana. Forçados a participar de ações, muitas delas perigosas, em benefício exclusivo dos humanos, os cachorros passaram cerca de uma década sendo obrigados a realizar atividades anti-naturais.
Privados de uma vida normal, na qual poderiam decidir viver de acordo com às próprias vontades, Vida e Atos foram explorados pela unidade K9 do Corpo de Bombeiros. Os dois foram obrigados a participar de buscas por sobreviventes após a ocorrência dos crimes ambientais de Mariana e Brumadinho, municípios mineiros que foram alvo de rompimentos de barragens de rejeito das mineradoras Samarco e Vale. Os cães também foram forçados a atuar durante as fortes chuvas que atingiram o Espírito Santo em 2013 e 2020 e a agir após parte de um prédio desabar na Enseada do Suá, em Vitória (ES), no ano de 2017.
Sob o risco de adoecerem por conta da contaminação do minério de rejeito e expostos aos riscos inerentes às tempestades e aos desabamentos, Vida e Atos foram tratados como objetos usados por humanos para atender às necessidades da população. Nas ações, os cachorros nunca foram beneficiados. Pelo contrário, correram riscos de adoecimento e morte, além de terem sido submetidos a treinamentos exaustivos e anti-naturais.
Na manhã de sexta-feira (20), a dupla foi homenageada pelo Corpo de Bombeiros de Minas Gerais. A instituição afirmou que os dois foram uns dos primeiros cachorros a atuar “junto da Força Especial de Busca e Resgate com cães (equipe K9), que foi institucionalizada em 2012”. A homenagem feita pela instituição, no entanto, só serve para reforçar um imaginário especista que considera que forçar humanos a realizar atividades que eles não desejam ou não são capazes de consentir é errado e até mesmo criminoso a depender da situação, mas que normaliza essa mesma imposição quando se trata de cachorros por tratá-los como uma espécie inferior que pode ser dominada e explorada pelos humanos em benefício próprio.
Atos e Vida participaram, respectivamente, durante nove e dez anos da equipe K9. Por serem cachorros de porte grande, com expectativa de vida que gira em torno de 13 anos, os dois foram condenados a viver a maior parte de suas vidas servindo aos humanos, sem poder exercer o direito de viver conforme eles mesmos gostariam.
Apenas agora, que já são considerados animais idosos, os cães poderão viver como cachorros normais, que brincam, passeiam, dormem quando querem e fazem apenas o que gostariam de fazer. Por quase uma década, eles tiveram a própria vida roubada por interesses antropocêntricos.
Com a “aposentadoria”, como é denominada a ação de libertá-los da exploração imposta pelas autoridades, Atos e Vida não irão mais participar de ações do Corpo de Bombeiros e permanecerão sob a tutela dos militares que os acompanham desde filhotes.
De acordo com a corporação, “no modelo de treinamento adotado pelo CBMES, o cão permanece toda a sua vida na casa do condutor, fato que visa o bem-estar animal e um melhor rendimento” — o que significa que até mesmo a decisão de manter o cachorro sob a tutela de um bombeiro com o qual ele compartilha a vida diariamente não é baseada exclusivamente na intenção de beneficiar o animal, mas também no interesse de explorá-lo o máximo possível para que ele atenda aos comandos e realize as ações que a corporação deseja, mesmo quando isso inclui ser exposto a situações de risco a sua integridade física.