Por ironia do destino, depois de conhecerem um dos sentimentos humanos mais cruéis, o desprezo, os “melhores amigos” do homem encontraram, entre os mortos, proteção. É no Cemitério da Saudade, no bairro de mesmo nome, na Região Leste de Belo Horizonte, que cadelas se escondem dentro de túmulos para parir os filhotes e, assim, protegê-los. Basta chegar perto da mãe que ela os abandona. “É por medo de gente”, explica o chefe de Divisão de Necrópoles da Fundação de Parques, Eduardo Di Flora. O trauma tem fundamento. Só na capital estima-se que haja, atualmente, 30 mil cães abandonados por seus donos.
Como muitas pessoas não cuidam dos túmulos dos parentes, muitos foram deixados de lado, estão velhos e estragados. São esses que, para os cães, funcionam como casa. “Temos aqui 32 mil sepulturas, muitas não são conservadas pelos familiares e, como estão abertas, os cachorros entram e fazem delas seu refúgio”, conta Eduardo.
Atualmente, moram no local seis cães adultos. Na semana passada, eram sete, mas uma poodle morreu depois de parir cinco filhotes. Outra cadela adotou os recém-nascidos e os juntou aos seus, somando 13 pequenos cachorros, que são aninhados por ela dentro de um túmulo, onde até mesmo funcionários do cemitério dizem que há escorpiões.
De acordo com Eduardo Di Flora, não são os cães que vão ao cemitério. “Na maioria das vezes, os donos os abandonam aqui”, lamenta. Mesmo morando entre os mortos, esses animais contam com a ajuda dos vivos para sobreviver. A aposentada Rosa Nunes Costa, de 63 anos, diz que vai ao local todos os dias para cuidar deles e que só não os leva para casa porque já cuida de 13 cães.
“Sempre venho, trago comida e carinho. Já levei alguns. Vacinei, dei banho e doei. Outros, tive que sacrificar porque estavam doentes”, diz Rosa, que conta com a ajuda da empresária Maria do Rosário, que critica a postura de muitas pessoas que abandonam seus animais de estimação. “É muito triste esse desprezo com os melhores amigos do homem. Esses filhotes não têm para onde ir, eles não podem ficar morando num cemitério.”
Eduardo Di Flora conta que já chamou o serviço de Controle de Zoonoses para levá-los, mas, como a área é muito grande, “eles sempre fogem e se escondem, como num labirinto”. Na semana passada, o coordenador da organização não-governamental (ONG) Núcleo Fauna de Defesa Animal, Franklin Oliveira, foi ao cemitério e levou alguns dos filhotes para casas de pessoas, onde poderão ficar temporariamente. “Fazemos um apelo para quem se interesse adotar um deles. As pessoas têm que parar de abandonar seus cães pelas ruas, parques e até cemitérios. É desumano”, ressalta. O contato deve ser feito pelo telefone (31) 9676-0099.
Controle
“Ao escolher ter um animal, a pessoa precisa definir para que o quer. Se é para companhia ou guarda. Saber que terá responsabilidade sobre ele, como alimentação, saúde e carinho. Um cão vive entre 12 e 15 anos”, aconselha a gerente do Centro de Controle de Zoonose, Maria do Carmo Araújo Ramos, que define como lastimável a situação em que se encontram os cachorros no Cemitério do Saudade.
Segundo ela, o abandono tem diminuído ao longo do tempo, o que ela atribui às ações da prefeitura. “Várias medidas estão sendo desencadeadas, desde conscientizar a população até informá-la sobre o serviço de castração, que é gratuito. Mas não se muda uma cultura de um dia para outro.”
Fonte: Uai