Símbolo de renovação da natureza, a primavera também marca o período em que os animais domésticos mais se reproduzem. Mas, por conta do calor que se antecipa no final do inverno, a época de acasalamento desses bichos também é adiantada e, ainda em agosto, grande parte das fêmeas já está no cio.
O fenômeno ocorre por consequência, acredita-se, de estímulos externos como a temperatura ou o número de horas de exposição diária ao sol. Mas, embora a perpetuação da espécie possa ser revestida de uma aura aparentemente romântica, a proliferação de cães e gatos é uma grave questão de saúde pública que precisa de atenção redobrada nesta época do ano. Para especialistas, a castração é a alternativa mais viável e eficaz para combater a superpopulação, o abandono e os maus-tratos que assolam os animais da cidade.
Segundo a médica veterinária Ana Lúcia Geraldi, como a gestação de gatas e cadelas dura, em média, 60 dias, entre o final de outubro e novembro deste ano uma nova e numerosa geração de filhotes surgirá, sem a garantia de que terão um lar com todos os cuidados necessários. “E o nascimento coincide justamente com o período de férias, quando o índice de abandono cresce muito porque as pessoas não querem assumir a responsabilidade de ficar com esses animais”, salienta.
Para se ter uma ideia da dimensão do problema, a Associação Humanitária de Proteção e Bem-Estar Animal estima que, para cada bebê que nasce, 15 cães e 45 gatos também possam nascer. Em seis anos, uma cadela e seus descendentes podem gerar 64 mil filhotes, número que é ainda maior no caso das gatas.
Em um ano de parceria com a organização não governamental (ONG) Vida Digna, Ana Lúcia relata que recolheu mais de 100 animais que foram levados ou abandonados em seu consultório. Atualmente, ela mantém quatro cães filhotes sem raça definida, além de três adultos, que estão disponíveis para adoção. Os pequenos foram abandonados no último domingo, em um campo de futebol, na quadra 3 da rua Carlos de Campos, na Vila Giunta, e foram levados à clínica.
Doação
A veterinária espera encontrar o responsável pelo abandono e, antes de destinarem os cachorrinhos a um novo lar, deverá castrá-los como, na opinião dela, deveria ocorrer com todos os animais domésticos. “Nós fazemos uma triagem para verificar se a pessoa tem condições de adotar, mas, mesmo assim, muitas vezes a adaptação não é possível e o tutor devolve o animal para a gente. Os animais adultos, principalmente os gatos, são os mais complicados de ser encaminhados para adoção”, detalha.
Como o município ainda não possui uma política pública de controle populacional desses animais, ela enfatiza que os responsáveis precisam providenciar a esterilização cirúrgica de seus bichinhos, o que minimizaria sensivelmente as ocorrências de abandono animal. “A Vida Digna tem uma casa para abrigar cães e gatos que está em sua capacidade máxima. As pessoas têm uma facilidade muito grande em deixar seus animais em frente a um abrigo ou consultório veterinário, virar as costas e ir embora. Não se comprometem e estão muito distantes de entender o que significa guarda responsável”, salienta.
Por conta dessa irresponsabilidade, a professora Jalile Abdel Aziz – que recolheu animais durante toda a vida e já atuou em parceria com a ONG Naturae Vitae – teve até mesmo de mudar de casa no ano passado. Depois de estabelecer-se em uma nova residência, ela decidiu instalar uma câmera de vídeo no lado externo do imóvel para coibir o abandono de cães e gatos. Ao longo de toda sua história, ela não sabe contabilizar quantos bichos recolheu das ruas, mas mantém em casa, atualmente, 40 gatos e cinco cães, dos quais não pretende se desfazer.
“Todos eles foram abandonados em casa e não conseguiram se adaptar a nenhum outro tutor, então ficaram comigo. Tenho um gasto muito alto com alimentação e medicamentos e contar com doações nem sempre é possível, mas cada um deles tem uma história e uma relação muito forte comigo. Eles são a minha razão de viver”, analisa.
Atualmente, a legislação federal prevê que o crime de abandono é considerado maus-tratos, cuja pena pode ir de três meses a um ano, além de multa. Na prática, apenas uma pequena porcentagem das ocorrências chega às consequências finais. Interessados em denunciar crimes contra animais ou adotar os cães que estão disponíveis na clínica de Ana Lúcia, na cidade de Bauru, devem entrar em contato pelo telefone (14) 3232-6569.
Castração
A castração consiste em uma cirurgia feita em cães e gatos fêmeas e machos para impedir que se reproduzam sem controle. O procedimento é realizado a partir da retirada do útero, trompas e ovários, no caso das fêmeas. Nos machos, são extraídos os testículos.
A cirurgia, feita com anestesia geral, é simples e indolor, mas deve ser executada apenas por veterinários devidamente habilitados. Em torno de uma semana, o animal estará totalmente recuperado.
De acordo com recomendação da Associação Humanitária de Proteção e Bem-Estar Animal, a castração pode ser feita a partir dos dois meses de idade. Para as fêmeas, é recomendado castrar antes do primeiro cio. Além de evitar a proliferação desenfreada de animais, a esterilização traz como vantagens a diminuição dos riscos de câncer e outras doenças na mama, próstata, testículos e útero.
De acordo com o Departamento de Saúde Coletiva (DSC) da Prefeitura Municipal, o Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) de Bauru esteriliza todos os animais destinados à adoção. Mensalmente, são sacrificados uma média de 400 cães e gatos diagnosticados com doenças como a leishmaniose, que não tem cura. A estimativa é de que Bauru tenha 60 mil cachorros e 20 mil gatos.
Prefeitura ainda não tem plano de controle populacional de animais
De acordo com a médica veterinária Ana Lúcia Geraldi, muitas pessoas adquirem animais de estimação por impulso e não se dão conta da responsabilidade que representa criá-los de maneira adequada. Por esse motivo, aliada a uma campanha de conscientização sobre a importância da guarda responsável, ela avalia que o poder público municipal deveria desenvolver um plano de castração urgente e massivo na cidade. “Se não gratuito, esse procedimento deveria ter preços populares para que todos tivessem acesso”, acrescenta.
Recentemente, o prefeito Rodrigo Agostinho afirmou não descartar a possibilidade de implementar um programa de esterilização de animais, mas não sinalizou sobre um prazo para que ele fosse implantado. Segundo ele, o projeto ainda requeria estudo sobre uma eventual parceria com a classe dos médicos veterinários, que tem nesse tipo de intervenção cirúrgica parte de seus rendimentos.
Na ocasião, o secretário municipal da Saúde, Fernando Monti, alegou que todos os recursos direcionados às atividades do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) são retirados da Secretaria Municipal de Saúde e, portanto, destinar maior investimento ao órgão seria o mesmo que sacrificar a saúde humana em prol do bem-estar dos animais. E argumentou que a responsabilidade da castração é pertinente a cada munícipe que opta por ter um bicho em casa.
No último dia 7, foi publicada a lei que criou o Conselho Municipal de Proteção e Defesa dos Animais, que ainda depende de regulamentação, estabelecimento de regimento interno e constituição de seus membros para começar a atuar.
Fonte: JCNet