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Cadelas exploradas por circo tentam fugir, em Portugal

6 de março de 2010
2 min. de leitura
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Por Ana Cardilho
em colaboração para a ANDA

Duas cadelas exploradas pelo circo Brasil, instalado em Machico, Portugal, tentaram se libertar das condições de confinamento e maus-tratos, fugindo do local. Segundo informação dada pelo empresário Joaquim, os animais conseguiram fugir durante a noite, tendo uma delas falecido por atropelamento.

Não vou sair daqui. pelo menos, não por enquanto. O pessoal do circo, que está na minha captura, já passou por aqui. Senti no ar o cheiro deles. Eles cheiram mal, sabe? Uma mistura de enxofre, areia molhada e couro dos chicotes que os domadores usam nos lombos dos animais. Quando meu focinho capturou esse cheiro, pude me esconder. Meu nome é Nina. Estou numa toca. É fresquinho aqui. Tem um pouco de água que a chuva empoçou num canto e a fome eu aguento. Para ficar fora do circo, aguento qualquer coisa. Aguento até o luto pela Rosa, minha colega que também fugiu. Na verdade a ideia foi dela. Nós estávamos há meses no circo, forçadas a trabalhos exploratórios. Pouca ração, água quente e suja e muito trabalho de graça. Isso sem falar nos tapas, nos chutes, nas chicotadas que ganhamos no dia-a-dia. Rosa veio com a ideia à noite. Disse que havia farejado uma rota de fuga. Não pensei duas vezes. Corremos sob a luz da lua cheia e conseguimos nos afastar bastante do ponto central, do picadeiro. Até que ouvimos a gritaria dos domadores atrás de nós. Rosa entrou em pânico. Correu mais ainda e no desespero não se deu conta do perigo. Atravessou a estrada e foi pega por um carro.

Não tive coragem de ir até lá. Ela estava imóvel. Morreu na hora. E se eu fosse, seria capturada. Fugi para o outro lado enquanto eles corriam até o corpo de Rosa.

Não volto para o circo. Não mereço aquela vida. Sou descendente dos lobos, mereço respeito. Vou ficar por aqui enquanto o cheiro dos homens maus estiver no ar. Uma hora eles terão que ir embora. O circo nunca fica muito tempo no mesmo lugar. Em geral, saem fugidos, na madrugada, quando são denunciados por maus-tratos contra os animais. Mais dia, mais noite e eles vão embora. Daí vou sair da minha toquinha e caminhar por aí. Vou dar uma boa espreguiçada ao sol e, sob as bênçãos de São Francisco, hei de encontrar um lar, gente boa que possa me acolher.

Vou esperar. Vou honrar a ideia de fuga da minha colega e provar que a morte dela não foi em vão. Não há preço para encontramos a liberdade, o respeito, a vida. Amanhã há de ser melhor…

Ana Cardilho é escritora e jornalista. Com um olho na realidade e outro na prosa imaginária conta com mais de 20 anos de experiência em rádio e TV, tendo feito reportagens, edição e fechamento de telejornais e programas, e é ficcionista.

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