Popularmente conhecido como cachorro-do-mato, raposa ou graxaim do mato (no caso do sul do Brasil), o mesocarnívoro (mamíferos carnívoros entre 1 e 15 kg) de nome científico Cerdocyon thous é relativamente abundante nas áreas em que ocorre e possui ampla distribuição no território brasileiro, sendo considerado generalista e flexível quanto à sua dieta e ao uso de diferentes habitats.
A dieta do cachorro-do-mato é ampla e compreende invertebrados, frutas e pequenos mamíferos, motivo pelo qual é comum observar o animal próximo a locais com agricultura e pecuária. Além disso, a espécie aparece frequentemente em censos de animais atropelados, possivelmente devido à busca de carcaças em beiras de estradas.
A espécie possui um importante papel como dispersor de sementes e no controle de pequenas presas, especialmente em ambientes degradados, onde a extinção local de mamíferos de grande porte que realizam essas funções em áreas mais conservadas é cada vez mais frequente.
Apesar de abundante, estando sempre entre os mamíferos mais registrados na Caatinga, a ecologia do cachorro-do-mato ainda é pouco estudada em relação a outras espécies de mamíferos no semiárido brasileiro. Neste contexto, um estudo publicado recentemente na revista científica Landscape Ecology por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte buscou compreender melhor a ecologia espacial e temporal da espécie em áreas prioritárias para a conservação da Caatinga.
A pesquisa foi realizada entre maio e setembro de 2014, em 10 áreas que se encontram dentro ou próximas a áreas consideradas prioritárias para conservação no estado do Rio Grande do Norte. A metodologia utilizada foi a de armadilhamento fotográfico e ao todo foram investigados 179 pontos distribuídos por todo o semiárido do estado, que totalizaram um esforço amostral de 6.701 câmeras/dias (quantidade de dias em que o conjunto de câmeras ficou em funcionamento durante 24 horas).
Os resultados mostraram que a ocorrência, a intensidade de uso e o padrão de atividade do cachorro-do-mato são afetados pelos níveis de antropização da paisagem. Esse mesocarnívoro prefere áreas de menor altitude, ambientes de vegetação mais aberta (savana), áreas fragmentadas e com maior densidade humana e de gado. A maior parte da atividade da espécie ocorre ao amanhecer e à noite, com maiores picos em áreas com menor quantidade de habitat natural e maior quantidade de densidade humana e de gado.
As áreas mais antropizadas estão geralmente livres de competição em relação a carnívoros de maior porte como as onças, que estão extintas na maior parte do estado e podem estar oferecendo uma fonte de recursos alimentar mais estável para o ano todo, diferente do habitat natural, onde a disponibilidade de alimentos é sazonal, compensando o risco para o cachorro-do-mato.
Entretanto, apesar de muito adaptável ao ambiente, o cachorro-do-mato também parece ser impactado negativamente em relação a áreas com alta incidência de fogo, exploração madeireira e presença de infraestruturas, como estradas. Possivelmente, as queimadas e a exploração madeireira estejam afetando a disponibilidade de alimentos, enquanto as infraestruturas atuam como um sumidouro para a espécie, provocando, por exemplo, altas taxas de atropelamento. Os dados mostram que mesmo uma espécie generalista em relação ao uso do espaço e recursos alimentares pode ser afetada pelas mudanças na paisagem.
Outro ponto não analisado no estudo em questão e que precisa ser investigado futuramente por sua alta importância, é o fato da proximidade do cachorro-do-mato aos assentamentos humanos ter alto potencial de transmissão de zoonoses entre a espécie selvagem e os animais domésticos e vice versa. Ao contrário do cenário atual, que é de poucos estudos, é cada vez mais importante investigar este e outros temas relevantes sobre os papeis ecológicos e serviços fornecidos pelo mamífero carnívoro mais abundante da Caatinga.
Fonte: ((o))eco