Uma família de Niterói vive um drama desde a morte da cadela Lindinha, de oito anos, ocorrida após um envenenamento dentro do próprio apartamento, no bairro de São Domingos, Zona Sul da cidade. O caso aconteceu em 17 de setembro e foi registrado na 76ª DP (Centro), além de ter sido denunciado ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ).
Lindinha, uma cadela paraplégica resgatada das ruas em 2018, faleceu na madrugada do dia 19, após apresentar sintomas graves de intoxicação. Seu tutor, o advogado Rafael Torres Sobreira, afirma que o animal pode ter sido envenenado por meio do vão inferior da porta do apartamento, local onde costumava permanecer deitada.
“Ela só ficou duas horas sozinha dentro de casa. Então, a pessoa que fez isso sabia a hora em que a gente tinha saído”, relatou Rafael. “Eu tenho minhas suspeitas, mas não posso acusar ninguém de maneira leviana. É o poder público que precisa investigar”, comentou.
Sintomas e laudo veterinário confirmam intoxicação
De acordo com o relatório da clínica veterinária, datado de 18 de setembro de 2025, Lindinha chegou à unidade apresentando prostração severa, perda parcial da consciência, salivação viscosa, cólicas abdominais, fraqueza muscular, taquicardia e vômitos.
O documento, assinado por uma médica-veterinária, conclui que os sinais clínicos são compatíveis com intoxicação por carbamatos ou organoclorados, substâncias presentes em venenos de uso agrícola ou proibido.
“A veterinária foi enfática ao dizer que era envenenamento. Não havia dentro de casa nenhum componente que pudesse causar isso”, afirmou o tutor. “Ela era forte, alegre e muito amorosa. Mesmo paraplégica, tinha muita vitalidade”, contou.
A cadela recebeu tratamento emergencial com atropina, fluidoterapia e carvão ativado, mas não resistiu, falecendo por parada cardiorrespiratória na madrugada do dia 19.
Suspeita de crime dentro do condomínio
Rafael e a esposa estavam fora de casa por cerca de duas horas quando os primeiros sintomas apareceram. Segundo o advogado, não há câmeras de segurança nos corredores, e a dedetização realizada dias antes foi descartada como possível causa.
“Procurei o síndico e pedi para avisar os outros moradores. Foi muito estranho. Nunca houve reclamação sobre nossos animais. Tenho relatório veterinário e fotos do local. A polícia precisa investigar, nem que seja pra dizer que estou errado”, disse.
A família afirma sentir-se insegura desde o episódio, pois ainda vive no mesmo imóvel e mantém outros animais de estimação.
“Imagina morar perto de um envenenador. Quem garante que essa pessoa não vai fazer de novo?”, desabafou.
Denúncias e protocolos
O tutor formalizou o caso na 76ª DP (Niterói) e no Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Em e-mail enviado ao MP, Rafael pediu celeridade na apuração:
“Pelo amor de Deus, acolham essa denúncia. Não há câmeras nos corredores, mas isso não deveria impedir a investigação. Sem o apoio do poder público, esse crime ficará impune”.
Demora no atendimento e sensação de descaso
O tutor afirma que, apesar de ter feito o registro de ocorrência, só conseguiu prestar depoimento esta semana. O Ministério Público não o retornou.
“Fui pessoalmente à delegacia, mas disseram que o processo estava suspenso. Pedi pra dar andamento e apresentar informações, mas mandaram eu escrever tudo em casa e protocolar”, comentou Rafael. “Só hoje de manhã que eu consegui prestar depoimento. O MP não me respondeu”, complementou.
Investigação
Procurada pela reportagem, a 76ª DP (Niterói) não quis comentar o caso. Em nota, a assessoria de imprensa da Polícia Civil informou que a investigação está em andamento. A corporação afirmou que o tutor já foi ouvido na delegacia e que agentes realizam outras diligências para esclarecer os fatos.
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro também foi procurado, mas não havia se manifestado até o fechamento desta reportagem.
O síndico do condomínio declarou que a administração sempre se mostrou solícita às necessidades dos moradores e que, neste caso, não seria diferente. Ele informou ainda que pretende incluir, na pauta da próxima assembleia — prevista para o início de novembro —, o debate sobre a instalação de câmeras nos corredores.
Lei Sansão
Casos de maus-tratos contra animais são previstos no artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98), com agravamento pela Lei Sansão (Lei nº 14.064/2020), que prevê pena de dois a cinco anos de reclusão, além de multa e proibição da guarda de animais quando há morte do animal.
“Ela era parte da família”
Em meio ao luto, Rafael diz que a casa ficou em silêncio: “Foi uma perda enorme. Mesmo deficiente, ela era o cachorro alfa, quem tomava conta. A rotina da casa girava em torno dela. Depois que ela se foi, ficou um vazio”, falou emocionado.
Segundo ele, Lindinha “ensinou sobre resiliência e amor incondicional”. “A pessoa que fez isso só pode ser muito cruel. Eu aprendi muito com a Lindinha. É triste pensar que um crime desses possa acontecer dentro da própria casa. É uma loucura imaginar que o lugar onde eu tinha paz virou um lugar onde eu não tenho mais paz”, contou.
Fonte: A Tribuna