Amanhece, e a neblina envolve a floresta. Só uma lasca da trilha de terra se deixa entrever. De repente, emerge da névoa de poeira e luz rubrodourada uma tigresa. Vem em um andar tranquilo, para e roça os bigodes direitos em uma árvore à margem do caminho. Atravessa a trilha e roça os bigodes esquerdos. Depois se vira para nós com um olhar de profunda indiferença e tédio. Então, como que compadecida, ela se espicha de patas para cima e arranha a árvore, voltando para nós seu perfil magnífico, os iconográficos e poderosos flancos atestando com impacto máximo sua deslumbrante condição.
Eis o tigre. O Panthera tigris, o maior dos felinos, o qual até a terminologia biológica reverencia com expressões de respeito, como “predador alfa” ou “espécie guarda-chuva”. É um dos mais formidáveis carnívoros do planeta e também, com sua pelagem âmbar riscada de chamas negras, uma das mais belas criaturas.
Considere a sua constituição. Tem garras de 10 centímetros de comprimento, retráteis como as do gato doméstico, dentes carniceiros que trituram ossos. Mesmo capaz de correr a mais de 55 quilômetros por hora, o tigre tem o físico desenvolvido para a força, e não para a velocidade prolongada. Pernas curtas e possantes impelem seu característico bote letal e seus fabulosos saltos. Há pouco tempo, um deles foi filmado em um voo de 3,5 metros, quando atacava um guarda florestal que estava montado em um elefante.
O olho do tigre possui ao fundo uma membrana que reflete a luz através da retina: o segredo de sua famosa visão noturna e do fulgor de seu olhar no escuro. Seu rugido pode se propagar por mais de 1,5 quilômetro.
Há semanas viajo por alguns dos melhores hábitats asiáticos da espécie: remotas florestas, matas tropicais e, em uma viagem anterior, manguezais. Mas ainda não havia visto nenhum deles. A causa, em parte, é sua famosa natureza reservada. O tigre tem força para matar e carregar presas cinco vezes mais pesadas que ele, mas ainda assim sabe se deslocar com delicadeza pelo mato e até na água em enervante silêncio. O refrão de quem já testemunhou um ataque ou sobreviveu a algum é: “O bicho surgiu do nada”.
Mas a outra razão de serem pouco avistados é que a paisagem ideal para um tigre contém pouquíssimos desses felinos. Desde que me conheço por gente, eles têm sido uma espécie ameaçada, e sua raridade passou a ser encarada sem maiores preocupações como um atributo tão intrínseco e definidor quanto sua chamativa coloração. A acomodada ideia de que a espécie continuará a ser “rara” ou “ameaçada” no futuro previsível não é mais defensável. Neste começo do século 21, os tigres na natureza estão à beira do abismo negro da aniquilação. “Temos de tomar decisões com a prontidão de uma sala de emergência”, diz Tom Kaplan, cofundador da Panthera, uma organização dedicada aos felinos. “Não há outro jeito.”
Os inimigos do tigre são bem conhecidos: a perda de hábitat exacerbada pelo aumento das populações humanas; a pobreza, que induz à caça de suas presas; e, pairando sobre todo o resto, a sinistra ameaça do brutal mercado negro chinês de partes do corpo do felino. Temos também, menos alardeadas, as desleixadas estratégias de conservação que por décadas vêm falhando. A população estimada desses felinos, dispersa por 13 países asiáticos, é inferior a 4 mil espécimes, e muitos conservacionistas acreditam que sejam centenas a menos. Analisando esses números em perspectiva: o alarme global para a espécie soou pela primeira vez em 1969, e, no início dos anos 1980, calculou-se que por volta de 8 mil tigres permaneciam na natureza. Ou seja, as décadas de vociferante preocupação com a espécie, sem falar nos milhões de dólares doados por bem-intencionados, alcançaram o extermínio de talvez metade da já irrisória população.
Minha resolução de ver um espécime selvagem antes de morrer me trouxe à Reserva de Tigres Ranthambore, uma das 40 na Índia. Avistei meu primeiro felino em dez minutos e, em uma excursão de quatro dias, deslumbrei-me com nove avistamentos, incluindo uma nova aparição daquela primeira tigresa, uma fêmea de 3 anos. No capim alto, ela rasteja com imensa paciência e concentração, erguendo e baixando cada pata em câmera lenta tão deliberadamente que é possível ver sua astúcia furtiva.
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Fonte: National Geographic