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GANÂNCIA

Caça às baleias: como o Japão desrespeita as leis internacionais

6 de outubro de 2024
6 min. de leitura
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Foto: KEYSTONE / EPA JIJI PRESS

Foi em Genebra, em 1931, que nasceu a primeira convenção internacional destinada a regulamentar a caça às baleias, sob a égide da Liga das Nações. Quase um século depois, em frente à “Cadeira Quebrada” na Praça das Nações, cerca de quarenta manifestantes, com cartazes nas mãos, entoaram “Libertem Paul Watson”. Isso aconteceu em 6 de agosto. Duas semanas depois, a detenção do famoso ambientalista foi prolongada até 5 de setembro de 2024 para “garantir sua presença no momento da decisão de extradição”.

Para relembrar, Paul Watson, fundador da ONG Sea Shepherd e cofundador do Greenpeace, foi preso em 21 de julho passado na Groenlândia pelas autoridades dinamarquesas. O ativista americano-canadense estava reabastecendo seu navio com combustível para perseguir um baleeiro japonês no Pacífico Norte. Um mandado de prisão internacional, emitido pelo Japão em 2012, o acusa de ter danificado um baleeiro japonês e ferido um membro da tripulação ao lançar uma bomba de mau cheiro. Essas acusações são contestadas pelo ativista de 73 anos, que pode enfrentar uma condenação à prisão de mais de quinze anos no Japão.

Em todo o mundo, a mobilização aumentou desde sua prisão, com o lançamento de uma petição e a intervenção do presidente francês Emmanuel Macron junto às autoridades dinamarquesas. Mas e quanto ao direito internacional? Esse retorno à caça comercial é legal?

Prática controversa e proibida

A caça comercial de baleias é proibida desde 1986, com a entrada em vigor de uma moratória internacional decretada pela Comissão Baleeira Internacional (CBI). A Noruega e a Islândia se opuseram a essa proibição e continuam a caçar os cetáceos. O Japão, por sua vez, contornou a moratória por muito tempo, continuando a pesca sob o pretexto de “pesquisas científicas”.

Mas em 2014, a Corte Internacional de Justiça condenou o Japão por sua caça às baleias na Antártica. “A corte decidiu que o Japão estava disfarçando a caça comercial sob pretextos científicos, pois os critérios para pesquisa científica não haviam sido atendidos”, lembra Laurence Boisson de Chazournes, professora de direito internacional na Universidade de Genebra, que atuou como conselheira e advogada durante o caso.

Após essa decisão vinculante, o Japão renunciou às suas campanhas na Antártica. Mas em 2019, o país do sol nascente decidiu se retirar da Comissão Baleeira Internacional para retomar oficialmente a caça comercial de baleias em suas águas territoriais. “Foi uma decisão drástica e surpreendente, que curiosamente gerou pouco alarde na comunidade internacional”, reage Chazournes, que reside em Genebra e atuou no Tribunal Internacional do Direito do Mar.

Desde então, o governo japonês vem se esforçando para reavivar o consumo de carne de baleia no país em nome da tradição, apesar de uma queda acentuada na demanda. Após um pico de 233 mil toneladas vendidas por ano no início dos anos 1960, o consumo de carne de baleia caiu para apenas mil toneladas em 2021. No entanto, em maio passado, o país lançou um novo navio-fábrica, o Kangei Maru, que planeja capturar 200 cetáceos até o final do ano.

A Agência de Pesca do Japão, que considera os recursos suficientes, decidiu expandir a caça ao rorqual comum, o maior mamífero do planeta depois da baleia azul, e uma espécie ameaçada de extinçãoLink externo. Uma decisão criticada pelo governo australiano e pelo Sea Shepherd, que teme que o Japão retome a caça “em alto-mar no Oceano Antártico e no Pacífico Norte até 2025”.

Brechas do direito internacional

Os recursos legais são, contudo, limitados. Em 2015, o Japão deixou de reconhecer a autoridade da Corte Internacional de Justiça para suas atividades relacionadas à exploração de recursos marinhos. Portanto, o governo pode relançar a caça comercial com total legalidade?

Não tão rápido, acredita Chazournes: “Deixar a Comissão Baleeira não significa que o Japão não esteja sujeito a obrigações de proteger o ambiente marinho”, insiste ela, lembrando que um quadro jurídico persiste, principalmente por meio das convenções do direito do mar, sobre a diversidade biológica e sobre o comércio de espécies.

A mesma opinião é compartilhada pela advogada internacional especializada em questões ambientais marinhas Malgosia Fitzmaurice: “O Japão é membro da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), segundo a qual as nações devem cooperar para a conservação dos mamíferos marinhos”. Isso implica, entre outras coisas, o compartilhamento de dados, bem como a realização de uma avaliação de impacto ambiental.

“Nesse sentido, o Japão violou suas obrigações, pois não realizou uma avaliação de impacto transfronteiriça e não consultou os outros estados do Pacífico Norte ou a Comissão sobre seus planos de caça ao rorqual comum”, ressalta a especialista que leciona direito internacional na Universidade Queen Mary de Londres. “Os membros da Convenção poderiam, portanto, recorrer aos mecanismos coercitivos da CNUDM para obrigar o Japão a cumprir suas obrigações”, acrescenta ela.

Tratado vinculativo até 2025

Um tratado histórico pode em breve mudar as regras do jogo. Adotado em 2023, o Tratado das Nações Unidas sobre o Alto Mar visa proteger os oceanos em áreas que estão além da jurisdição nacional. Ele prevê a criação de áreas marinhas protegidas e introduz a obrigação de realizar estudos de impacto ambiental sobre as atividades previstas em alto-mar. Um instrumento vinculativo “poderoso”, segundo Malgosia Fitzmaurice, que deve entrar em vigor a partir de 2025: “Se o Japão decidisse caçar baleias além de suas águas territoriais (como suspeita o Sea Shepherd), isso levaria a uma reação internacional, especialmente nas águas designadas como santuários para baleias”.

Para a especialista, contudo, parece pouco provável que o Japão expanda sua caça às baleias para águas internacionais – caso em que seria difícil prever uma ação legal. Ela lembra que, até hoje, a Noruega é o maior caçador de baleias no mundo, com cerca de 500 cetáceos mortos por ano, contra aproximadamente 300 do Japão. Em 2022, a Islândia, por exemplo, caçou 148 rorquais comunsLink externo, em comparação com as 59 previstas pelo Japão para 2024.

Pressão política

A proteção das baleias parece estar por um fio, facilmente rompido pelos interesses de cada país. Para Chazournes, a vontade política é crucial para fazer respeitar o direito internacional: “O quadro jurídico existe. Cabe aos estados e outros representantes da comunidade internacional lembrar desse direito”. É essa mesma pressão política que pode levar o Japão a desistir de seu pedido de extradição, segundo Fitzmaurice.

O ministério dinarmaquês da Justiça deve agora decidir o destino do capitão Paul Watson. E isso não tranquiliza o Sea Shepherd, que critica fortemente a caça de golfinhos por parte da Dinamarca nas Ilhas Faroe. A ONG denuncia uma “emboscada” das nações baleeiras para amordaçar a oposição. “O direito penal decidirá. A questão será a proporcionalidade da prisão de Paul Watson em relação ao delito que lhe é imputado”, assinala Chazournes. Em caso de extradição, o defensor das baleias terminará seus dias atrás das grades.

Fonte: SWI swissinfo.ch

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