No ano passado, o mundo registrou o ano mais quente de sua história, com os impactos das mudanças climáticas se tornando cada vez mais evidentes: geleiras estão derretendo, os níveis do mar estão subindo e eventos extremos como secas e inundações estão se tornando mais frequentes.
Após o anúncio do governo Trump de retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris, a meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C parece cada vez mais fora de alcance.
Isso trouxe de volta ao centro das pesquisas as tecnologias de modificação da radiação solar (SRM, na sigla em inglês) — por muito tempo consideradas tabu por levantarem questões éticas e não tratarem as causas das mudanças climáticas. Fundações privadas e países como Estados Unidos, Reino Unido e China já investiram dezenas de milhões de dólares em projetos de pesquisa para refletir os raios solares de volta ao espaço.
Empresas como a startup americana Make Sunsets já iniciaram experimentos ao ar livre, e novos projetos estão planejados para este ano.
Cidade do Cabo, na África do Sul, sediará a maior conferência já realizada sobre SRM entre os dias 12 e 16 de maio. Pesquisadores, representantes de ONGs e formuladores de políticas discutirão os aspectos científicos, sociais e políticos da chamada geoengenharia solar.
“SRM sempre foi uma questão de quando [será implementado], e não se será”, afirma Gernot Wagner, economista climático, autor e cofundador do programa de pesquisa em geoengenharia solar da Universidade de Harvard, em e-mail ao SWI swissinfo.ch.
“Infelizmente, o que vem acontecendo desde o meio-dia de 20 de janeiro só tornou mais provável uma futura implementação”, diz Wagner, referindo-se ao segundo mandato de Donald Trump como presidente.
O que são as tecnologias de modificação da radiação solar?
As tecnologias SRM são intervenções climáticas deliberadas e em larga escala que visam reduzir o aquecimento global. Basicamente, há duas formas de alterar o efeito dos raios solares no planeta: aumentar a reflexão da luz solar de volta ao espaço ou reduzir a absorção da radiação solar pela Terra.
Os defensores dessas tecnologias argumentam que elas são a única opção sustentável para retornar rapidamente a temperatura do planeta a níveis próximos aos pré-industriais, a um custo relativamente baixo. A Terra reflete cerca de 30% da energia solar que recebe. Aumentar essa refletividade em apenas 1% poderia reduzir a temperatura média global em cerca de 1°C, segundo um estudo.
A comunidade científica concorda que são necessárias reduções urgentes e drásticas nas emissões de CO₂ para combater as mudanças climáticas. Os defensores do SRM afirmam que a geoengenharia solar compraria tempo enquanto se busca alcançar emissões líquidas zero. Ela também poderia mitigar alguns impactos do aquecimento global, como a elevação do nível do mar.
Como é possível refletir a luz solar de volta ao espaço?
O método mais pesquisado é a injeção de aerossóis na atmosfera (SAI, sigla em inglês para stratospheric aerosol injection). Aerossóis são partículas microscópicas que podem refletir a radiação solar de volta ao espaço, reduzindo a temperatura na superfície terrestre.
A ideia é que aviões ou balões liberem bilhões de moléculas de dióxido de enxofre na atmosfera, formando aerossóis que criam uma espécie de camada refletiva fina ao redor do planeta.
Esse fenômeno também ocorre naturalmente durante grandes erupções vulcânicas. Em 1991, a erupção do Pinatubo, nas Filipinas, liberou cinzas e dióxido de enxofre que resfriaram o planeta em 0,5°C por dois anos.
Um estudo recente suíço sobre a liberação de aerossóis propõe o uso de partículas sólidas em vez de dióxido de enxofre. Poeira de calcita ou diamante teria maior capacidade de refletir a luz solar e menor impacto ambiental, segundo a pesquisa.
Outra tecnologia avançada de SRM é o clareamento de nuvens marinhas (MCB). Canhões especiais montados em navios pulverizam uma mistura de água do mar na atmosfera. Os cristais de sal ajudam a formar nuvens mais claras sobre os oceanos, que refletem mais luz solar e protegem os recifes de coral das altas temperaturas.
Pintar ruas e telhados de branco também aumenta a quantidade de luz solar refletida. Superfícies claras podem tornar as cidades mais habitáveis durante ondas de calor.
Outra opção, ainda teórica, seria posicionar espelhos gigantes no espaço para refletir a radiação solar antes que ela chegue à Terra.
Por fim, há a possibilidade de dispersar micropartículas nas nuvens do tipo cirrus para torná-las mais finas. Essas nuvens, por estarem em altas altitudes, retêm calor irradiado da superfície terrestre.
Em que estágio estão as tecnologias SRM?
A geoengenharia solar ainda é, em grande parte, uma abordagem teórica. No entanto, os programas de pesquisa estão aumentando, e vários projetos já realizam experimentos ao ar livre.
A Make Sunsets afirma que já lançou 147 balões com moléculas de dióxido de enxofre na atmosfera. Na Austrália, a Universidade Southern Cross estuda desde 2020 os efeitos do clareamento artificial de nuvens sobre a Grande Barreira de Corais.
Se a humanidade ou um grupo de países poderosos e ricos decidir que a injeção de aerossóis estratosféricos em escala global é necessária, isso poderia ser implementado em poucos anos, diz Claudia Wieners, professora assistente de física climática na Universidade de Utrecht, na Holanda. “Construir a bomba atômica foi mais difícil”, afirma.
Por que a geoengenharia solar é controversa?
O SRM pode reduzir temperaturas, mas não diminui a quantidade de gases de efeito estufa emitidos. Ou seja, trata os sintomas, não as causas da crise climática. Os opositores veem na geoengenharia solar uma “falsa saída” que desvia o foco do verdadeiro objetivo: reduzir emissões.
“O SRM criará falsas esperanças de que podemos sair da crise com tecnologia”, afirmou Xiao-Shan Yap, consultora de políticas do Centro Espacial da Escola Politécnica Federal de Lausanne, à revista suíça Horizons. Segundo ela, o risco é que os políticos retrocedam em seus compromissos de corte de emissões.
A injeção de aerossóis na atmosfera também pode ter impactos imprevistos no clima, nos padrões de precipitação e no meio ambiente. O dióxido de enxofre, por exemplo, é prejudicial à saúde e causa chuva ácida.
Esse “Plano B” para o clima também levanta questões fundamentais: quem decide quando e onde aplicar o SRM? Quem será responsabilizado por efeitos colaterais? E o que acontece se um projeto for encerrado precocemente, por exemplo, por causa de uma guerra?
Não há regras compartilhadas globalmente. Mais de 500 pesquisadores na Suíça e em todo o mundo assinaram um apelo internacional por uma proibição da geoengenharia solar. Eles pedem que nenhum recurso público seja destinado ao SRM e que todos os experimentos ao ar livre sejam banidos.
Por outro lado, Sandro Vattioni, pesquisador climático do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH), defende mais estudos e mais experimentos — puramente científicos e em pequena escala.
Vattioni, autor do estudo sobre poeira de diamante mencionado anteriormente, será um dos palestrantes da conferência de SRM na Cidade do Cabo. “Precisamos estudar essas tecnologias, inclusive os potenciais efeitos negativos, caso decidamos que elas são necessárias”, disse ao SWI swissinfo.ch.
Para Wieners, um moratória sobre o SRM que permita apenas a pesquisa científica e política é a solução mais razoável. “Uma implementação unilateral seria altamente indesejável, pois poderia gerar conflitos entre países”, afirma ela, que também assina uma carta aberta por uma abordagem equilibrada.
Traduzido Swiss Info.