As mãos estão quase congelando. Mas, na popa do navio Ary Rongel, o pesquisador Marcelo Bernardes, da Universidade Federal Fluminense, não desiste. “Vamos tentar mais uma vez”, anuncia para a equipe, que trabalha há mais de seis horas na baía do Almirantado, na ilha Rei George, Antártida. A sensação térmica é de alguns graus abaixo de zero.
Todo o esforço, recompensado depois, é para entender como é a biodiversidade do fundo marinho da baía. Um equipamento chamado “box core” -uma grande mandíbula de aço que “morde” o sedimento lá embaixo, a centenas de metros de profundidade – é o que traz a vida marinha para o barco.
A segunda tentativa de fazer a coleta de sedimentos, num ponto a 100 metros de profundidade, tem sucesso. No ponto seguinte, a 300 metros, os cientistas começaram a penar.
Foram nove tentativas, sem sucesso. Por causa da topografia do fundo do mar no local, foi difícil achar um ponto plano, onde o equipamento pudesse realmente fazer a amostragem. “Sabíamos que esse seria o ponto mais complicado. Mas o sucesso das coletas aqui foi total”, afirma Bernardes.
O pesquisador integra um grupo que se dedica a mapear a biodiversidade antártica, desde as mais “insignificantes” algas unicelulares até os grandes mamíferos –“do plâncton às baleias”, como gosta de dizer a coordenadora do projeto, a bióloga Lúcia Siqueira Campos, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
O esforço brasileiro, desde o ano passado em cooperação com um grupo australiano, faz parte de um projeto internacional, o CAML (Censo da Vida Marinha Antártica). Iniciado em 2005, o CAML tem feito o número de espécies registradas no oceano Austral explodir –hoje são mais de 7.500 registradas, o que torna a Antártida mais biodiversa que os trópicos em alguns grupos de animais.
O resultado da coleta deste ano na baía do Almirantado vai ser estudado e identificado no Brasil. Mas o “olhômetro” do pessoal a bordo já indica que espécies novas poderão surgir, de vários grupos de invertebrados marinhos – ou, pelo menos, espécies nunca antes descritas para essa parte do mundo.
Atração vital
Noutro ponto da baía, na estação Comandante Ferraz, a bióloga Karen Silva, também da UFRJ, examina ao microscópio o resultado de outra pescaria, esta bem mais sutil. “Elas estão aqui”, anuncia. “Elas”, no caso, são bactérias magnéticas.
Esses organismos sintetizam cristais magnéticos cuja função supostamente é orientá-las ao longo da coluna d’água, sempre na direção de locais com pouco oxigênio. Comuns em todos os continentes, elas haviam sido encontradas pela primeira vez na Antártida pelo grupo brasileiro, exatamente na baía do Almirantado, em fevereiro.
Agora veio a confirmação de que elas realmente existem. Ao lado de Silva está Lia Teixeira, colega inseparável de trabalhos de campo. A também pesquisadora da UFRJ estava na coleta histórica do início do ano.
Aplicações
Depois de passarem muito frio coletando sedimentos em zonas rasas e de processarem o material, as cientistas encontram seus organismos de estudo. É virtualmente impossível descobrir bactérias magnéticas da maneira tradicional, enviando uma amostra de sedimento ao Brasil para análise, porque elas morrem no caminho.
O truque para detectá-las é explorar os magnetossomos, os tais cristais magnéticos: basta colocar um imã perto da lâmina no microscópio e literalmente atrair os micróbios.
Apesar de comuns, as bactérias magnéticas ainda são pouco conhecidas. Há quem proponha usá-las como agentes de contraste em ressonância magnética, ou como “mísseis” que ajudem medicamentos, no caso de um tumor, por exemplo, a irem direto ao alvo.
Fonte: Olhar Direto