O tatu-canastra não é tão popular quanto a onça-pintada, a arara ou lobo-guará. Mas ele é fundamental para o equilíbrio ecológico de diferentes biomas brasileiros. E por isso, diversas iniciativas visam preservar a espécie, ameaçada pela perda de habitat e outros fatores, como incêndios florestais e atropelamentos em estradas do país. Entre as ações está o Programa de Conservação do Tatu-Canastra, do Instituto de Conservação de Animais Silvestres (ICAS), que recentemente ganhou destaque internacional.
Em maio, o biólogo Gabriel Massocato, que coordena o Programa no Pantanal, foi contemplado com o prêmio de 50 mil euros do Future for Nature Awards 2022, promovido pela organização holandesa The Future For Nature Foundation. A premiação, que teve mais de 250 inscritos, reconhece iniciativas inovadoras para proteção de animais e plantas silvestres em todo o mundo.
Natural de Ribeirão Preto, no interior paulista, Gabriel passou sua infância nas áreas verdes da Universidade de São Paulo (USP), onde seus pais trabalhavam. O contato com a natureza o levou a cursar biologia na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), no Mato Grosso do Sul.
Ao final da graduação, ele trabalhou como guia turístico no Pantanal, onde teve a oportunidade de observar animais ameaçados, caso do tatu-canastra. “Costumamos dizer que o Pantanal é o nosso laboratório, pois é uma paisagem com a parte verde bem preservada. É nesse bioma que descobrimos as informações básicas da ecologia e testamos as metodologias para se trabalhar com o animal”, relata. E foi lá também onde ele entendeu a importância de preservar o tatu.
Herói de carapaça
Por ser uma espécie pouco conhecida, o tatu-canastra estava caindo no esquecimento. Foi por meio do programa coordenado por Massocato — e fundado pelo zoólogo francês Arnaud Desbiez — que iniciaram as investigações sobre as principais ameaças vividas pelo mamífero.
Sua presença no ecossistema é fundamental. Conhecido como “engenheiro ecológico”, o tatu-canastra auxilia na sobrevivência de outros animais. Isso porque ele constrói buracos grandes e fundos onde passa o dia, e que à noite são usados por indivíduos de outras espécies. Segundo o biólogo, já foram registrados mais de 70 animais utilizando os buracos do tatu-canastra. Alguns deles entram no local para dormir ou procurar alimento, e outros descansam na areia fresca que fica à frente do buraco.
Por isso, os especialistas buscam retratar esse tatu como um embaixador da biodiversidade. E para torná-lo mais carismático, brincam inclusive com sua aparência. “Costumamos dizer que o tatu-canastra se assemelha a um pequeno dinossauro”, diz Massocato. “Observando a morfologia externa do animal, ele possui uma carapaça protetora e garras gigantes que lembram o réptil jurássico. Então sempre buscamos falar dessa maneira para chamar a atenção das pessoas.”
Todos pelos tatus
O programa de conservação ao tatu-canastra começou no Pantanal e se espalhou para outros lugares do Brasil e da América do Sul. Na região pantaneira, as maiores ameaças à espécie são incêndios florestais. Para impedir as mortes, os conservadores criaram uma brigada de incêndio junto a aproximadamente 10 fazendas parceiras.
No Mato Grosso do Sul, a iniciativa Canastras e Colmeias veio para acabar com um conflito entre tatus e apicultores. É que os animais estavam destruindo as colmeias para se alimentar das larvas de abelhas. Os especialistas entraram em cena para elaborar métodos que permitissem a coexistência de todos na região, ou seja, eles tiraram as colmeias do alcance do animal. Isso pode ser feito por meio da instalação de cercas em torno de apiários e da disposição de caixas em cavaletes altos. O apicultor que usa esses métodos recebe o selo “Amigo do tatu-canastra”, que permite comercializar o mel com um valor mais alto.
Já na Mata Atlântica, o projeto visa proteger as áreas do entorno do Parque Estadual do Rio Doce, em Minas Gerais. Por lá, foram criados corredores ecológicos para que os tatus consigam circular em segurança.
Por essas ações de conservação e pelas descobertas feitas pela equipe, o projeto do ICAS contribuiu para a construção do Plano Nacional de Conservação do Tatu-Canastra, do Ministério do Meio Ambiente.
Gabriel Massocato espera destinar seu prêmio a projetos no Cerrado do Mato Grosso do Sul que visam proteger regiões isoladas onde vivem esses animais. “Se nós não fizermos isso, em alguns anos o tatu-canastra corre o risco de ser extinto nessas áreas”, afirma o biólogo. E com isso, não só os animais, mas todos nós temos muito a perder.
Fonte: Revista Galileu