Você já deve ter ouvido falar do Kombuchá, uma bebida natural fermentada, feita a partir de vários chás, que passou a ter grande adesão em cardápios saudáveis devido aos benefícios que traz à saúde e pela facilidade de produção.
Mas o Kombuchá pode ir além da alimentação e ser ainda mais versátil como uma alternativa para reduzir os impactos do mercado da moda ao meio ambiente, que atualmente ficam atrás somente dos provocados pela indústria do petróleo.
A designer e pesquisadora Iane Cabral criou uma marca pioneira no mercado brasileiro de acessórios confeccionados em um tecido biodegradável que imita couro de animal, feito a partir de Kombuchá. Iane é idealizadora do Setor W, um laboratório experimental de pesquisa em tecnologias vestíveis com ênfase em eletrônica costurável, computação criativa, impressão 3D e biomateriais. Desde 2018 ela vem pesquisando usos para o biotecido do Kombuchá.
Esses estudos começaram há pouco mais de dez anos pela norte-americana Suzanne Lee, designer que trabalha com tecnologias futuras para o setor da moda. Iane se interessou pela proposta e começou a desenvolver usos para este biotecido também no Brasil, culminando no lançamento, agora em setembro, da loja virtual ‘Plasma’ que utiliza esse material para fabricar chapéus bucket.
“É a primeira vez no país que um material com Kombuchá é utilizado em um acessório neste formato que propusemos”, explica Iane. Outras iniciativas já utilizam o biotecido de Kombuchá no revestimento de sofás e na produção de instrumentos de percussão, como o atabaque, e na indústria médica, com curativos.”
Tecido de chá?
O processo de fabricação do biotecido de Kombuchá é bastante simples: se resume em fazer um chá e fermentá-lo. Depois de curtido, em sua superfície forma-se uma celulose bacteriana ou biotecido. O tempo necessário para a produção depende da finalidade do tecido.
Um biotecido com espessura fina requer um tempo curto. Porém, para uma aparência semelhante ao do couro e com uma gramatura maior, é necessário aguardar pelo menos de duas a três semanas.
A coloração da peça é criada com corantes naturais conforme a sazonalidade de produtos orgânicos da cidade do Rio de Janeiro, onde o laboratório funciona atualmente. No final, como método de conservação, a superfície do biotecido é pincelada com óleos de jojoba e linhaça, a fim de combater e prevenir a proliferação de fungos.
Estima-se que os acessórios de Kombuchá tenham vida útil de até 10 meses, mas Iane garante que esse prazo pode ser estendido com boas práticas de conservação, como untar com óleos naturais antifúngicos, e depois armazenar em ambientes arejados. “O ideal é que fiquem expostos na casa para respirar”, diz.
Outros estudos para aprimorar a técnica de criação e durabilidade do tecido estão sendo pesquisadas pelo laboratório. “Precisamos entender que estamos falando da preservação do meio ambiente no fazer moda. Se comparado à produção tradicional para fazer uma camiseta, por exemplo, o biotecido economiza 70% de água e o resto do material pode ser usado para fazer cervejas e chás, por exemplo. Ou seja, é uma alternativa que começa a ser viável”, explica.
Perspectiva de mercado
Para fazer um chapéu bucket de Kombuchá são necessárias três folhas de biotecido, que levam até três meses para serem feitas por causa do tamanho. Embora exista um pequeno estoque de folhas prontas para entrega de pedidos em 15 dias, ainda assim a produção é mais lenta que a indústria comum da moda.
Isso, segundo Iane, pode gerar um obstáculo para uma sociedade acostumada a consumir na velocidade em que as tendências surgem. “As marcas precisam entender e respeitar esse tempo de produção para dar certo. Ainda é tudo muito novo, mas vamos conseguir expandir a ideia”, aposta a designer.
Iane explica que o processo de obtenção das placas bacterianas ainda é bastante colaborativo e experimental porque os produtores são pessoas que tomam Kombuchá. “Fizemos parcerias com alguns laboratórios, mas produzir de forma autônoma ainda é a melhor opção. Mas temos um banco de tecidos em constante estudo para encontrar soluções”, explica.
A loja virtual foca em educar seus clientes sobre os impactos que a moda tem no meio ambiente, e por isso usa vídeos manifesto para passar sua mensagem. “Essa geração de 18 a 30 anos de idade começa a questionar o que usa, e procura alternativas de consumo mais conscientes que a geração anterior”, afirma.
Moda e protesto
A Plasma foi um dos projetos contemplados pelo Rumos Itaú Cultural na edição 2019-2020, um dos maiores editais privados de apoio a projetos culturais do país. Ao serem selecionados, os projetos recebem o apoio do instituto para se desenvolverem o que foi proposto.
No caso da Plasma, o Rumos possibilitou que os tecidos fossem desenvolvidos para criarem os chapéus, que a marca fosse criada e que a plataforma fosse pensada para o comércio. O projeto agora caminha por conta no laboratório experimental.
Para a gerente de núcleo de Educação e Relacionamento do Itaú Cultural, Valéria Toloi, a importância de projetos como a Plasma é a provocação em repensar o processo criativo com uma convergência entre ciência, moda, arte, biologia e tecnologia. “Esperamos que projetos de arte e cultura como este possam inspirar a criatividade, a transformação e o olhar para as questões coletivas, como a ambiental”, dizem ela.
Outra grande conquista da Plasma é ganhar espaço para o protagonismo brasileiro entre os avanços internacionais do mercado da moda, uma vez que seus resultados estão sendo mensurados e serão disponibilizados para outros estudos em moda.
Bolsa inteligente
Além dos chapéus, a Plasma desenvolveu também a UV Bag, uma bolsa inteligente criada em crochê com Fiojeans, um produto reciclado a partir das aparas de jeans da indústria de confecção.
A bolsa possui um circuito eletrônico e alto-falante que identifica a incidência solar e alerta sobre os riscos daquela exposição ao sol. Na prática, um bip em som de passarinho identifica se a incidência solar está “ok”, “tenso” ou “ruim”, contemplando o encontro entre ciência, moda, arte, biologia e tecnologia, propostas no projeto.
De acordo com Iane, o assim como o biotecido, o Fiojeans não passa por processos químicos na sua produção.
Fonte: Ecoa