Sem o apelo dos mico-leões, das baleias e das ararinhas azuis, porém fundamentais à ecologia, as abelhas se encaminham para o risco de extinção. Países da Europa e da América do Norte vêm relatando o desaparecimento delas com números preocupantes. “Também há perdas no Brasil, principalmente no Sul, mas também em cidades paulistas. Antes, era muito raro, agora é mais comum”, informa o pesquisador americano David de Jong, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto.
– Na Europa, nos EUA e no Canadá, eles descobriram vários motivos para as abelhas morrerem. Agora, especificamente o que está provocando isso, não sabem. Está claro que a perda é muito maior do que era há poucos anos. Sempre houve situações em que morreram muitas abelhas repentinamente. Mas esse fenômeno atual, mais forte, foi descoberto em 2006. Nos EUA, eles perdem, a cada ano, cerca de 35% das colmeias, em média. Alguns apicultores perderam todas (as colmeias). Na Espanha, falaram em 30%, 40% – acrescenta o biólogo, doutor no estudo de insetos e especialista em patologia de abelhas.
Uma teoria atribuída ao físico alemão Albert Einstein (1879-1955) vaticina que, “se as abelhas desaparecerem, o ser humano sobreviverá apenas por mais quatro anos”. “Acho que não é dele, mas é uma frase conveniente. Faz um certo sentido. Se chegarmos ao ponto de perder as abelhas, o homem vai junto”, opina De Jong, entrevistado por Terra Magazine.
Muitos cultivos dependem das abelhas, ele lembra.
A Argentina também registra a falta de abelhas. “Mais do que nós”, compara o especialista. “No Norte e no Nordeste (do Brasil), bem menos”, conta. Porém, há casos tão espantosos quanto os de americanos e europeus. “Em pequena escala, sim. Acompanhamos colmeias fortes que, em poucos dias, de repente, ficaram sem abelhas adultas ou com muito poucas. E a gente não tinha uma razão clara. É um sintoma típico nos EUA, e já temos visto isso aqui”, descreve De Jong.
Ele afirma que, há cerca de 10 anos, notou-se o aumento de mortalidade desses insetos no território brasileiro, o que se intensificou bastante nos últimos quatro ou cinco anos.
– Não está muito bem documentado. Mas, em regiões de Santa Catarina, apicultores perderam 2/3 das colmeias, ou até 80%, e a gente tenta entender a razão, pois é área sem agricultura, então, não tem motivo para inseticida estar envolvido. Mas isso varia, alguns perderam, de um ano para o outro, 70% das colmeias. Na média, estão perdendo 30% a 40% no Sul, sem a gente saber o porquê. Existe a reclamação, mas não existe recurso (para cuidar do caso). Para eu ir lá resolver, preciso pagar do meu bolso – lamenta.
Em 2011, revela ele, não havia abelhas suficientes para a polinização de maçãs. “No Brasil, praticamente há dois cultivos em que alugam colmeias: melão, mais no Nordeste, e maçã, no Sul”. Trata-se de um desafio mundial: “As áreas de plantação estão muito maiores, nossa necessidade para polinização cresceu bastante”.
Existe o temor de que algumas doenças passem para as várias espécies de abelhas nativas. “Nas nossas pesquisas, não encontramos nelas a presença dos novos vírus, mas, além da perda de abelhas por causa do desmatamento, estão morrendo muitas abelhas da apicultura e nativas por causa de inseticidas. São perdas expressivas”, destaca o biólogo.
– Se não houver mato, vão sumir muitas dessas abelhas. Em São Paulo não tem muito mato… – avisa De Jong. – Para sumir (de vez), vai demorar. Mas já está acontecendo de diminuir ao ponto de criar problemas. E a tendência é piorar. A menos que a gente controle melhor estes fatores.
Em congressos e cursos para técnicos e veterinários, divulgam-se novidades das pesquisas e métodos de diagnóstico desses distúrbios.
– As abelhas são necessárias para a polinização tanto de cultivos quanto de muitas plantas nativas, que produzem madeira, frutos etc. Por exemplo, o maracujá tem uma flor muito grande, a abelha da apicultura não serve. Seria um desastre ecológico sem proporções, morreriam muitos animais, seriam extintas algumas espécies de árvores, mudaria todo o ecossistema, afetando de maneira bastante grave as pessoas.
Explicações
Uma série de adversidades são listadas como possíveis culpados pelo extermínio de abelhas. Além de vírus, De Jong aponta como vilãs algumas substâncias usadas na agricultura.
Há indícios evidentes de que fungicidas provocam desnutrição desses animais, diz. Novos inseticidas têm efeito nocivo, deixando mais vulneráveis os insetos ou exterminando-os. “Ao invés de aplicarem no solo, lançam de aviões. Teria que ser sistêmico”, reclama o biólogo.
Existe ainda outra praga que dizima enxames. “Aumentou muito a incidência de um fungo, um microsporídio. O nosema apis era um problema em regiões e épocas mais frias. Uma nova espécie, o nosema ceranae, está causando muitos problemas na Europa e nos EUA, e aqui também. Faz isso em quase todo o ano e está matando muito mais abelhas”, ensina. Aspectos genéticos também estão sendo estudados.
– Quando passamos a somar todos esses fatores, principalmente nos EUA, minha impressão não é por que as abelhas estão morrendo, é como elas conseguem sobreviver a todos esses problemas que estão enfrentando – avalia De Jong, radicado no Brasil há 32 anos.
Ele participa de um grupo de pesquisa sobre o assunto, sediado nos EUA. “Tenho acompanhado reuniões e pesquisas por lá, visitei apicultores prejudicados e outros que estão superando os problemas. Uma diferença importante é a alimentação (das colônias). Os que estão se dando bem têm investido muito mais esforços e dinheiro em alimentação proteica, em troca de (abelhas) rainhas e de favos”, reporta.
Nem as medidas paliativas dos produtores, no entanto, resolvem as necessidades mais urgentes. “Os americanos têm uma demanda muito forte para polinizar amêndoas em fevereiro. Levam 1,5 milhão de colmeias, todo ano. E sempre precisam de mais. E é uma época difícil, de inverno lá. Com isso, o próprio manejo acaba prejudicando as abelhas”, detalha De Jong. “Eles levam praticamente todas abelhas do país para um lugar, a Califórnia, e depois voltam (aos seus lugares de origem). Quer dizer, se tiver doença numa região, ela se espalha rapidamente”.
Fonte: Terra Magazine