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CRISE CLIMÁTICA

Brasil pode ter deserto? O que se sabe sobre degradação no semiárido

13 de janeiro de 2025
Heloísa Barrense
5 min. de leitura
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Boi procura por pastagem em meio a área de desertificação, denominada localmente como Ó malhada Ó, na zona rural de Gilbues, no Piauí. Foto: Lalo de Almeida/Folhapress

A caatinga é uma das áreas mais vulneráveis do Brasil para a degradação ambiental. Com um clima semiárido, o território está suscetível a um processo extremamente nocivo: a desertificação. Estima-se que o problema atinja cerca de 38 milhões de pessoas no Nordeste, entre elas, 42 povos indígenas.

“O deserto natural leva milhões de anos para encontrar um equilíbrio entre biodiversidade e vegetação. Se uma área semiárida está passando por um processo de desertificação, isso é muito mais nocivo, porque os solos não passaram por milhões de anos para chegar em uma característica de deserto.” – Humberto Alves Barbosa, fundador do Lapis (Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites) da UFAL

De acordo com Barbosa, essa nova área desertificada não teria uma autodefesa, e espécies invasoras poderiam se apropriar do cenário debilitado do ecossistema.

Em tese, Brasil não tem desertos

O território brasileiro está numa região majoritariamente tropical com uma diversidade de biomas — e é essa característica que apoia a estabilidade da atmosfera e do solo. No país, existem regiões semiáridas, onde uma das principais características é a baixa quantidade de chuva e os longos períodos de seca — mas com indicies de pluviosidade maiores do que seriam os de um deserto.

A desertificação pode ser resultado de múltiplos fatores, como o manejo de animais para a pecuária e o desmatamento. Neste caso, há um desequilíbrio entre atmosfera e solo — de um lado há uma maior escassez de chuvas, e do outro o solo é levado à exaustão, perdendo a fertilidade. Outro fator que contribui para a desertificação são os incêndios florestais. “Eles provocam cicatrizes e interferem também nos nutrientes do solo”, explica Barbosa.

As mudanças climáticas são apontadas como um dos fatores que intensificam o processo. Apesar de a desertificação não estar diretamente ligada ao aquecimento global, os eventos climáticos extremos relacionados ao aquecimento global, como as secas prolongadas, estão agravando o cenário das áreas afetadas.

“O aquecimento global e as mudanças climáticas fazem o ambiente perder umidade. Temos um solo sem vegetação, com sol e uma temperatura muito intensa, e sem disponibilidade de água. Ali é um ambiente muito oportuno para a degradação da terra e, por consequência, de desertificação.” – Alexandre Pires, diretor do Departamento de Combate à Desertificação do Ministério do Meio Ambiente do Brasil à RFI

A desertificação gera problemas socioambientais. Além da perda da biodiversidade e a interferência no ecossistema, contribuindo para o aumento da temperatura global, ela pode causar o empobrecimento da população local e declínio da qualidade de vida, além do aumento de processos migratórios.

As áreas afetadas

As regiões semiáridas, vulneráveis à desertificação, estão em área que ocupa Nordeste e Sudeste. Ao todo, são mais de 1.400 municípios que estão nos nove estados da região Nordeste, além de Minas Gerais e Espírito Santo.

Atualmente já foram mapeados seis núcleos de desertificação no Brasil: Seridó, (RN/PB), Cariris Velhos (PB), Inhamuns (CE), Gilbués (PI), Sertão Central (PE), Sertão do São Francisco (BA), segundo publicação do Insa (Instituto Nacional do Semiárido).

Um estudo do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) e do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostrou que há uma tendência do aumento de aridez em todo o território do Brasil, com exceção da região sul e litoral de São Paulo e Rio de Janeiro. No caso do Nordeste e do norte de Minas, os cientistas identificaram uma área árida, similar a desertos, um cenário nunca observado no país nas décadas anteriores, segundo documento.

Tem solução?

Áreas desertificadas podem se regenerar. Segundo o Barbosa, o solo pode retomar a fertilidade e o suprimento de água. No entanto, o processo pode demorar mais de 30 anos e não considera a integração do ser humano com o território. “Ele tem que estar integrado e em equilíbrio”, defende o professor. O monitoramento e a execução de políticas públicas para a convivência com a aridez nos locais atingidos são essenciais no combate à desertificação.

Além disso, a depender do projeto, ele pode ser custoso. Estima-se que há 207 mil km² de solos em estado severo ou crítico de degradação na caatinga.

“Investir na restauração e na recuperação desses 20 milhões de hectares é muito mais custoso do que a gente evitar o processo de desmatamento do cerrado, da caatinga ou de qualquer bioma, mas estes dois são os mais afetados pelo processo de desertificação.” – Alexandre Pires à RFI

Tema está sendo debatido globalmente

O problema da desertificação não é apenas brasileiro — ele atinge outros países da América Latina, além da Ásia e África. Líderes globais se reuniram em Riad, na Árabia Saudita, em dezembro de 2024, para debater soluções para a questão. Um dos pontos cruciais dos diálogos dizia respeito ao financiamento de ações de recuperação dos solos e adaptação a um clima mais seco.

Em escala global, 1,5 bilhão de hectares de terra precisam ser restauradas em cinco anos, a um custo estimado em US$ 2,6 trilhões até 2030 — US$ 191 bilhão por ano apenas para África, onde o combate à desertificação é uma questão de segurança alimentar.

Mas soluções baseadas na natureza se mostram eficazes. Um estudo de 2020 publicado na revista científica Global Change Biology já havia concluído que as intervenções baseadas na natureza são frequentemente tão eficazes, ou até mais eficazes, em 59% dos casos, do que outras intervenções para combater os efeitos das mudanças climáticas.

“Enquanto as discussões para uma decisão histórica sobre a seca estão em andamento, o relatório pede aos líderes globais que reconheçam os custos excessivos e evitáveis das secas e utilizem soluções proativas e baseadas na natureza para garantir o desenvolvimento humano dentro dos limites planetários.” – Andrea Meza, secretária executiva adjunta da CNULCD (Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação)

Fonte: Ecoa

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