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E se o boto não fosse cor de rosa?

29 de julho de 2014
3 min. de leitura
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Um programa de grande audiência aos domingos denunciou o que vem acontecendo contra um dos animais símbolo do Brasil: o boto cor de rosa.

Sabendo do meu interesse pela causa animal, é claro que, no dia seguinte, muitas pessoas perguntaram se eu havia assistido essa reportagem, imaginando, talvez, a minha indignação. É claro que é revoltante ver pescadores matando o boto cor de rosa para, depois, usá-lo como isca na pesca de outros peixes. Pior ainda foi saber que um dos botos capturados era uma fêmea grávida e que seus filhotes foram jogados junto aos pedaços da mãe. Diante dessa terrível descrição experimentei dois sentimentos simultâneos: alento e espanto.

Imagem: Divulgação
Imagem: Ilustração

Alento, por constatar que ainda há muitas pessoas que não perderam a sensibilidade. Não naturalizando a cena, essas pessoas demonstram que ainda mantêm um elo de compaixão, mesmo que seletivo, com alguns animais não humanos. Isto confirma a regra vigente de que animais considerados bonitinhos, fofinhos e engraçadinhos, recebem certa cobertura protetora.

O espanto, então, veio por conta de perceber o quanto esse elo de compaixão é frágil e limitado, pois depende, por exemplo, da aparência do animal. Essa fragilidade, contudo, pode ser o ponto de partida para uma reflexão e, dessa forma, deflagra uma série de perguntas.

O que há no boto cor de rosa que não há no porco? Se o porco fosse cor de rosa e mais bonitinho teria chances de ser salvo? Por que causa menos espanto a realidade do bezerro separado da mãe, logo que nasce, e encaminhado para a indústria do baby-beef, enquanto ela continuará por muitos anos escrava da indústria do leite, até morrer de exaustão? E o que dizer das galinhas poedeiras expostas 24 horas por dia sob intensa luz artificial sem nunca pisar o chão, impedidas de fazer o que é da sua natureza, ciscar.

Confinadas em minúsculas celas de fios traçados, não conseguem, sequer, abrir suas asas. Por que aceitamos cavalos presos com tantas amarras em carroças e, com a visão limitada, andando obrigatoriamente sob a regência de um chicote? Esses merecem menos a nossa indignação?

Será que a tênue luz que fez com que muitos conseguissem enxergar o absurdo sacrifício imposto ao boto cor de rosa, poderá também expor a nossa própria incoerência?

Uma campanha promovida pela Sociedade Brasileira de Vegetarianismo indaga: “Que espécie de bicho é contraditório o suficiente para proteger bicho “em extinção”; mimar o bicho “de estimação”; abusar do bicho “de entretenimento”; torturar bicho de “experimentação” e comer o “bicho de exploração?”

Esse talvez seja um dos exemplos daquilo que Edgar Morin (2008, O Método 4), chama de quebra de comunicação entre a reflexão e conhecimento, fruto mais bem acabado do nosso conhecimento disciplinar, disjuntivo e parcelado. Essa relação absurda torna impossível relacionarmos o que vemos e vivemos aos problemas éticos, morais, concretos e globais da conduta humana.

Na cena do boto cor de rosa, o pescador era o algoz, contudo, ele precisava da isca para pescar peixe, logo, para alguém comer. O bezerro foi separado de sua mãe, para que o seu leite roubado fosse destinado para a caixa longa vida, logo, para alguém beber. E, por aí vai. Nós não temos nada a ver com isso? Não somos atores coadjuvantes desse programa de horror? Ai se todos os bichos fossem cor de rosa!

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