Por Marlene Nascimento
A eficiência de uma pessoa que trabalha na causa animal não deve ser medida pelo número de animais que esta pessoa possui ou que recolheu, cuidou, esterilizou e doou, mas sim pelo número de pessoas que ela conseguiu fazer com que tomasse esta atitude.
Muitas pessoas se julgam protetoras porque salvaram, doaram ou adotaram algumas dezenas de animais que estão em suas casas ou foram doadas. Essa atitude é válida e merece nossa consideração. São poucos os seres humanos que doam seu tempo e seu dinheiro para salvar uma vida. Menos ainda quando se trata de um animal em situação de rua, considerado por muitos como uma ameaça à saúde pública.
Por outro lado, ao nos sensibilizarmos com o sofrimento dos animais, devemos tomar cuidado com a atitude de querer salvar todos os animais do mundo, criar uma culpa interna e perpetuar atitudes de tomar o lugar dos outros.
Exemplos práticos, simples e reais:
Toda vez que seus amig@s encontram um problema com animais, o que é que eles fazem? Ligam rapidamente para você, relatam o caso e você sai correndo para ajudá-los.
Toda vez que algum(a) amig@ “precisa” se desfazer de um animal, você fica “doid@” procurando um novo tutor para o mascote antes que seja jogado na rua.
Sempre que algum conhecido deixa sua cadela ter uma cria, você é a pessoa contatada para ajudar nas doações. E, muitas vezes, até paga a esterilização da cadela.
Quando um animal adoece, de quem seus amigos lembram?
Quando acontece uma tragédia com animais, qual a pessoa de quem tod@s vão lembrar de ligar para relatar, nos mínimos detalhes, o acontecido dizendo: “Lembrei de você!”
Quantos animais são abandonados na porta de sua casa?
Parabéns! Você realmente é uma pessoa solidária, tem muit@s amig@s e, com certeza, cada vez mais pessoas lembrarão de você.
E você? E a sua vida, como está? Sua conta bancária, como anda? Como você dorme à noite com tantos telefonemas que começam com “lembrei de você!”? Você não está se sentido cada dia mais impotente frente ao grande número de acontecimentos tristes dos quais você toma conhecimento?
Nós amamos os animais, mas o primeiro ato de amor é o não-prejuízo. Esteja atent@, pois atitude justa é aquela que melhor se ajustar à situação precisa. O amor sem justiça corre o risco de ser apenas emotivo, não criando melhores condições de vida para todos os seres.
Se você esta “resolvendo” o problema d@s amig@s, está ajudando muito mais a eles do que aos animais, e ainda criando uma situação desgastante para você.
Ajudar não é fazer as coisas no lugar do outro, mas permitir que o outro se saia bem sozinho. Se não, criamos um ciclo vicioso de dependência.
Pense bem:
Se você pode, as pessoas que te ligam também podem!
Se você fizer por eles, esta tirando a oportunidade de eles mesmos fazerem o bem. Atos não-justos que aprecem à nossa frente são para nos ensinar, para nos levar a tomar uma atitude justa. E atitude justa não é chamar alguém para tirar o problema da sua frente, mas resolvê-lo.
Se você resolver os problemas d@s “amig@s”, você vai ter tantos “lembrei de você” que sua vida se tornará um caos. E um dia não poderá ajudar mais quem te procurar e os animais continuarão sofrendo.
Antes de amar os animais, você tem que amar a si mesm@.
Compaixão, sabedoria, sofrimento e indignação:
A compaixão sem sabedoria pode nos tornar apenas ativistas chei@s de boa vontade, mas também sem discernimento e profundidade. Isso pode ser uma fonte inesgotável de sofrimento. A nossa atitude de fazer o bem no lugar de outros nos leva a um grande sofrimento tamanha é a quantidade de problemas que chegam até nós.
Sofrimento existe. Ele não depende de nós. O que depende de nós é a atitude de não cultivarmos este sentimento e esta dor de tal maneira que nos impeça de tomar atitudes coerentes.
Há bastante sofrimento no mundo. É inútil acrescentar-lhe o nosso. Constatá-lo sem a possibilidade de transformá-lo não muda nada. O mesmo acontece com a indignação. Não adianta indignar-se sem uma atitude para a mudança. Isso não passa de um movimento emocional estéril.
O amor, a compaixão, o sofrimento e a indignação são sentimentos que podem mudar o mundo para melhor, se usados com sabedoria.
Vamos apresentar a situação de outra maneira:
Em vez de escolher a vitimização e o desespero, vamos escolher a inteligência e a esperança. Você não é culpado pelo sofrimento do mundo. Cada vez que amig@s ligarem para você pedindo ajuda, aproveite a oportunidade de dizer como fazer o bem. Isso faz bem!
Também fale o quanto você é feliz podendo dormir tranqüilamente por saber que faz a sua parte e como é importante que ele também o faça. Ensine-@ a se sair bem sozinho e não faça o bem no lugar dele. Acredite, muitos vão agir e a satisfação por salvar uma vida é algo indescritível. É contagioso. E logo teremos um exército de pessoas agindo na causa animal.
Estimule a ação das pessoas boas
Corremos o risco de não agradar algumas pessoas, mas estas são do tipo que derramam uma lágrima e tranquilizam a consciência. São as que acham que o mundo não tem solução e não fazem nada para melhorar. Não fique focad@ nelas. Leve sua atenção para as pessoas do bem. Você vai ser sentir mais feliz e otimista e vai ter discernimento para saber quando a sua ajuda é necessária.
Não se preocupe: 99% das pessoas são boas. O problema é que as pessoas boas estão ficando de braços cruzados. E está na hora de serem estimuladas a agir. Nada como um animal em sofrimento para mobilizar grandes grupos. A maioria fica só no passo da indignação e do sofrimento, mas sempre aparece alguém que toma uma atitude.
Tomar uma atitude não é ligar para amig@s, para os órgãos públicos, para as protetoras, para o presidente da República. Tomar uma atitude é fazer o que tem que ser feito, mesmo que tenha que gastar nosso tempo e dinheiro.
Pense mais:
O importante na causa animal é não perder o hábito de pensar. É não perder a esperança e focar nas coisas boas que estão acontecendo. Não estamos mais sós. Muitos foram tocados e estamos em pleno processo do despertar do coração.
A boa notícia é: ninguém precisa esperar nem mais um instante para participar desta mudança, basta mudar a si mesmo e, depois, pensar em mudar o mundo.
Marlene Nascimento é médica veterinária, especialista em Saúde Pública, fundadora e presidente do Clube Amigos dos Animais de Santa Maria -RS. Em 2008, a instituição protetora Clube Amigos dos Animais, afiliada à WSPA, foi a vencedora na categoria Bem-Estar Animal. Localizada em Santa Maria, RS, a ONG concorreu à indicação com trabalho desenvolvido pelo Projeto Vida, voltado para a sensibilização e a educação das pessoas para a guarda responsável de animais domésticos. Segundo a médica veterinária Marlene Nascimento, dirigente da instituição, o prêmio é importante para dar visibilidade às ações realizadas pelo movimento de proteção animal.