O gato-bravo, para além de ser um ícone da vida selvagem das terras altas da Escócia, ocupa o lugar de espécie-bandeira para conservação da biodiversidade no Reino Unido, sendo por isso alvo de campanhas de proteção de âmbito internacional, como é o caso da Wildlife Conservation Research Unit (WildCRU), da Universidade de Oxford.
Envolvido neste projeto está o investigador português André Silva, graças à realização do seu mestrado em biologia da conservação com orientação do Centro de Biologia Ambiental (CBA) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), que colabora com a WildCRU.
O jovem é assim, desde outubro de 2010, membro visitante desta unidade de investigação, onde desenvolve um trabalho “focado em modelar os fatores ambientais (como características da vegetação ou disponibilidade de presas) e de perturbação (como a presença humana) determinantes para a ocorrência da espécie”, declarou ao “Ciência Hoje”.
Trata-se de um projeto integrado noutro de maior abrangência que pretende verificar a situação populacional concreta da espécie e a extensão da hibridação com o gato doméstico na população da Escócia, utilizando duas principais metodologias: abordagens moleculares e foto-armadilhagem, isto é, a utilização de estações fotográficas, sendo que cada uma é composta por duas câmaras automaticamente activadas através de sensores de temperatura e movimento.
De acordo com André Silva, depois de o Reino Unido ter perdido espécies como o urso-pardo, o lobo e o lince, o gato-bravo tornou-se num predador de topo neste ecossistema. Para além de ser o último felídeo selvagem que o Reino Unido possui, esta espécie possui ainda “o enorme papel de trazer e motivar as pessoas para a conservação da biodiversidade”, destacou o membro português da WildCRU.
Número de gatos-bravos é desconhecido
Relativamente ao estado de conservação da espécie, o investigador referiu que “a situação concreta da população não é totalmente conhecida”, sendo essa a principal razão do desenvolvimento deste projeto.
As últimas estimativas realizadas apontam para que possam existir “apenas 400 indivíduos com presença restrita ao norte da Escócia”, pelo que, “neste caso, a população poderia ser considerada criticamente em perigo”. Contudo, valores concretos são desconhecidos.
André Silva fez ainda notar que “a maior parte dos registos de presença da espécie até agora tem origem em entrevistas e questionários às populações”. Dadas as semelhanças morfológicas das três formas de gatos que podem ocorrer na natureza – bravo, doméstico e híbrido -, “este método pode ser afetado pela incorreta identificação dos observadores e estimativas erradas podem ser geradas”, advertiu, acrescentando que “nasce assim a urgência da aplicação de métodos mais exatos como a foto-armadilhagem e métodos moleculares”.
Hibridação é o maior perigo
Segundo o mestrando da UL, o principal perigo na atualidade para este animal é a hibridação. “Ocorre cruzamento entre esta espécie e o gato doméstico dando origem a híbridos que são férteis, podendo estes reproduzirem-se tanto com gatos-bravos como com gatos domésticos”, explicou. Trata-se de um fenômeno que provoca “a erosão do pool genético da espécie por mistura com o material genético proveniente do gato doméstico”. Esta situação torna-se visível, por exemplo, no diferente padrão da pelagem que os híbridos apresentam.
A conservação do gato-bravo torna-se ainda “mais complexa”, destacou André Silva, por ser “difícil a aplicação de instrumentos legais” devido à semelhança morfológica entre as três formas de gatos que ocorrem na natureza. “Um dos grandes problemas nesta espécie é definir exatamente o que é um gato-bravo em termos morfológicos. Sem se ter uma definição exata e consensual daquilo que está a ser protegido é difícil a aplicação prática dos instrumentos legais”, concluiu.
Gato-bravo encontrado fora da área de influência
No passado mês de março, foi confirmada a presença de um gato-bravo em Aberdeenshire, que fica fora da área de influência do Parque Nacional de Cairngorms, considerado uma zona chave para a proteção da espécie por possuir os registos mais fiáveis da sua existência, nos últimos anos.
“Um registo fora desta área vem alertar que existem indivíduos com boas características noutras zonas e que deve ser feito um maior esforço de pesquisa nessas regiões, na tentativa de encontrar outras que possam conter importantes focos populacionais”, explicou André Silva.
O investigador destacou que “é muito positivo” detectar indivíduos com estas características numa população onde não se sabe totalmente quantos podem existir. “No mínimo temos a confirmação de que existem”, frisou.
Contudo, o português lembrou que “novos registos através de foto-armadilhagem podem dar uma noção errada de que a população está numa tendência de crescimento ou expansão, quando a única coisa que aconteceu foi uma mudança para a utilização de um método de detecção mais eficaz que os utilizados anteriormente e que, portanto, consegue detectar mais animais”.
Fonte: Ciência Hoje