Por Ingrid E. Newkirk (Tradução de Clara Allain)
Exortamos a 29ª Bienal de Arte de São Paulo a agir imediatamente para retirar os urubus vivos da instalação criada por Nuno Ramos
Como é o caso de todas as obras de arte pensadas unicamente com o intuito barato de chocar, o trabalho “Bandeira Branca”, de Nuno Ramos, com urubus vivos, que está sendo exposto na 29ª Bienal de Arte de São Paulo, procura incitar controvérsia ao provocar um debate sobre os parâmetros da arte.
Mas isso diz respeito a mais do que simplesmente arte de má qualidade. Na medida em que os meios inanimados tradicionais usados para chocar foram se tornando corriqueiros, alguns artistas passaram a fazer uso da crueldade para com os animais.
É o caso da instalação atual de Nuno Ramos, na qual três urubus vivos estão presos em um cercado equipado com mais de 50 alto-falantes que bombardeiam as aves, dia após dia, com uma cacofonia sonora constante e caótica.
Obras sensacionalistas que abusam de animais são simplesmente crueldade que se faz passar por arte. Isso não é alguma censura artística empolada, mas uma crítica inerente aos artistas que desejam se colocar acima da lei quando exploram animais para compensar uma falta de visão e expressão.
Eles se posicionam como os “bad boys” (e às vezes “bad girls”) que não se deixam restringir pelos limites. Mas a sociedade depende da imposição de limites às condutas que comprometem os valores que traçamos por razões válidas, como, por exemplo, proteger os vulneráveis contra danos gratuitos.
Usar animais vivos dessa maneira degradante e prejudicial é, na melhor das hipóteses, extremamente estressante, e pode até mesmo ser letal. Os animais em confinamento têm seu ritmo cardíaco acelerado pelo medo; sua audição frequentemente é muito mais aguçada que a nossa, e ruídos constantes são vistos como meio de tortura.
Há também o estresse constante provocado por estarem em um ambiente não natural, que não lhes é familiar, e por terem estranhos aproximando-se deles constantemente. Essas aves estão sendo privadas, também, de tudo o que é importante para elas: privacidade, iluminação natural, ar fresco e, crucial para seu próprio ser, a liberdade de voar para fora desse espaço.
Em seu habitat natural, os urubus são aves extremamente mansas, sociáveis e avessas a confrontos, que costumam empoleirar-se em grandes grupos.
Monógamos, eles formam casais vitalícios e dividem o cuidado de sua prole. Sendo as mais importantes aves do mundo a se alimentar de carniça, são vitais para a manutenção da saúde e da beleza de nosso meio ambiente.
Os artistas que empregam animais como meio inanimado a ser manipulado em nome da “arte” são um tipo distinto de ser que se alimenta de carniça.
Eles se alimentam da notoriedade proporcionada pelo abuso dos animais, usando-a em substituição ao talento. Esse tipo de exploração não é consensual, e os animais estão à mercê do artista, que atua com crueldade.
A Peta (pessoas pelo tratamento ético de animais, na sigla da ONG em inglês) pede que museus de arte assumam o compromisso de traçar políticas bem definidas sobre o bem-estar de animais.
O Chrysler Museum of Art, em Norfolk, Virgínia (EUA), por exemplo, definiu a seguinte política: “O museu não exporá nem promoverá a exposição de obras de arte que incluam o uso de animais vivos, envolvam a morte de animais ou incorporem os corpos deanimais mortos especificamente para a produção de uma obra de arte”.
Em nome da sociedade e das pessoas compassivas em todo o mundo, exortamos a Bienal de Arte de São Paulo a implementar a mesma política e a agir imediatamente para retirar os urubus da criação de Nuno Ramos.
Enquanto isso não for feito, devemos todos elevar nossas vozes como uma só para reivindicar liberdade para os urubus!
Ingrid E. Newkirk, 61, é a presidente da organização não governamental Peta (pessoas pelo tratamento ético de animais, na sigla em inglês).
Fonte: Folha de S. Paulo