Foi o cachorro quem chegou correndo com a língua de fora e contou para o javali:
– Descobri um! Está escondido em cima de uma pedra, lá embaixo.
E foi a coruja quem ouviu o papo e perguntou:
– Você tem certeza? Olhe que nem sempre as lendas são verdadeiras.
Mas foi o elefante quem apareceu naquele momento e decidiu:
– É melhor verificar. Afinal, algum deve mesmo ter sobrado.
E foi assim que os animais desceram a montanha para comprovar a história do cachorro.
No começo da caminhada, a cobra disse:
– Gozado, me deu vontade de levar uma maçã pra qualquer emergência.
No meio, o passarinho falou:
– E eu estou que não agüento de medo de levar uma pedrada.
No fim, o jacaré comentou:
– Acho que vou chorar.
Chegaram.
O macaco coçou a barriga e comentou:
– É verdade. Sobrou só um. Mesmo assim pode ser perigoso. Quase acabou com a minha família. E olha que somos primos em primeiro grau.
A onça lambeu os beiços e acrescentou:
– É o único que mata sem ter fome.
A borboleta abriu as asas e concluiu:
– Mas o que fazemos com ele?
Todos os bichos ficaram em silêncio, olhando o homem, apavorado, e o homem olhando também para eles. Em todas as cabeças passavam as lembranças de bichos e plantas destruídos. Só que não sabiam mesmo o que fazer com aquele homem ali, sobrevivente como eles. Esperançoso e assustado como eles. Bicho como eles.
E foi o cágado que, chegando atrasado ao local, resolveu a questão:
– Um bichinho tão bonitinho como esse não merece acabar. Vamos deixá-lo vivo. Acho que, com o tempo, ele aprende com a gente uma maneira melhor de viver.
Ulisses Tavares vive com medo de que a situação se inverta e de caçadores passemos a caça. Coisas de poeta.
(*Do livro “Histórias Quentes de Bichos e Gentes” – Editora Geração)