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COMPORTAMENTO INCOMUM

Beija-flor-tesoura é flagrado alimentando outra espécie

Biólogos acreditam que comportamento pode ter sido um gatilho para fêmea que perdeu filhote ou que ainda não encontrou um parceiro.

21 de outubro de 2024
Fernanda Machado
5 min. de leitura
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Beija-flor-tesoura alimentando filhote de besourinho-de-bico-vermelho é flagrado em Paulínia — Foto: Regina Manzur

Uma cena inusitada chamou a atenção de biólogos e amantes da natureza em Paulínia, quando Marlene Campos, uma moradora local, flagrou no quintal de casa um beija-flor-tesoura alimentando o filhote de uma outra espécie, algo incomum entre os beija-flores.

O tesourão tratou um besourinho-de-bico-vermelho, um beija-flor bem menor que ele e também amplamente distribuído no Brasil. A constatação levanta questões sobre interações entre espécies e a adaptabilidade das aves.

Nascida em Panorama (SP), Marlene mora em Paulínia há oito anos. Apaixonada pela natureza desde a infância, ela mantém em seu quintal uma árvore frutífera chamada Callicarpa (Callicarpa reevesii) e um comedouro recheado de frutas e quirela para atrair aves das mais diversas espécies, como canarinho, sanhaço, garibaldi, periquito-de-encontro-amarelo e bico-de-lacre.

Desde o dia 25 de agosto, quando a fêmea de besourinho começou a chocar seus ovos, Marlene notou a presença constante de uma fêmea de beija-flor-tesoura.

“Achei estranho ver a fêmea de tesoura arrumando o ninho, mesmo com a mãe do besourinho lá. Mas depois a vi alimentando o filhote”, conta emocionada.

Regina Manzur, vizinha e observadora de aves, foi chamada por Marlene para registrar o fenômeno. “Achei muito estranho, pois nunca tinha ouvido falar sobre isso. Fiquei surpresa e fiz de tudo para conseguir filmar”, relata.

Ela usou tanto uma lente superzoom quanto o celular para registrar o comportamento. “Foi necessário me esconder, pois as aves só se alimentavam quando não havia movimento por perto”.

Comportamento inusitado

O comportamento do beija-flor-tesoura intrigou biólogos, como a especialista Nathália Diniz, que explica que esse tipo de interação entre espécies é extremamente raro.

De acordo com ela, existem poucos registros na literatura científica, todos fora da América do Sul. No Brasil, o único registro que ela tem conhecimento é de um beija-flor-tesoura alimentando filhotes de sabiá-barranco, apresentado em congresso.

“Esse comportamento de um beija-flor alimentar filhotes de outra espécie pode estar relacionado a fêmeas que, por exemplo, perderam seus próprios filhotes, estão com seu ninho ativo ou não conseguiram encontrar um parceiro reprodutivo. Além disso, a vocalização de alerta dos filhotes pedindo comida pode servir como um gatilho para desencadear essa interação”, explica Nathália.

Para a bióloga, a coexistência das duas espécies pode ser explicada pela dinâmica de seus habitats.

“A fêmea de besourinho é menor e não teria vantagem em um conflito com a fêmea do beija-flor-tesoura, que é uma espécie maior e altamente territorial. Essa dinâmica pode ter levado a fêmea de besourinho a, de certa forma, ‘tolerar’ a presença da fêmea do beija-flor-tesoura em seu ninho, evitando assim um conflito que seria prejudicial para ela”, completa.

Segundo o biólogo Vítor Piacentini, também especialista em beija-flores, não é esperado que uma espécie alimente filhotes de outra.

Embora seja difícil encontrar razões definitivas para esse comportamento, uma hipótese plausível envolve a importância do estímulo visual no cuidado parental dos beija-flores. Por algum motivo, o estímulo visual que o ninho e o filhote representam podem ter parecido com os filhotes que essa fêmea de tesoura normalmente teria. Isso pode ter levado a um comportamento atípico: ao invés de ser agressiva em relação aos filhotes, ela se sentiu induzida a tentar alimentá-los. — Vítor Piacentini, professor do Departamento de Biologia e Zoologia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)

Ciência cidadã

A observadora de aves Regina Manzur reforça sobre a importância de registrar tais eventos. “Esse tipo de interação revela como as aves podem se adaptar e cooperar, contribuindo para uma compreensão mais rica da avifauna”, afirma.

A repercussão do caso resultou na recomendação de que as observações fossem registradas em plataformas de ciência cidadã, como Wikiaves e e-Bird, ampliando o conhecimento sobre a biodiversidade.

O caso do beija-flor-tesoura alimentando um filhote de besourinho em Paulínia não só surpreendeu os moradores, mas também enriqueceu a discussão sobre as complexas relações entre as aves na natureza, abrindo espaço para futuras pesquisas e observações sobre a avifauna local.

Fonte: G1

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