Por Fátima Chuecco (da Redação)
Uma ação corajosa libertou quase 200 beagles (muitos deles filhotes) do Instituto Royal. Cerca de 150 ativistas, simpatizantes da causa e artistas como Luisa Mell, Dani Moreno e Julia Borrow participarem do resgate. Nas redes sociais, muitos famosos manifestaram apoio aos ativistas: Tatá Werneck, Luma Costa, Leandra Leal, Marcelo Médici, Gugu Liberato, Giane Albertone, Yasmin Brunet, Fabiana Karla e Antônia Fontenelle. Resta saber como fica a situação agora. Será que o Brasil dará um destino digno para esses cães como foi feito na Itália, onde uma enorme ação popular libertou 2,5 mil beagles de um criadouro em 2012? Imprensa, sociedade e autoridades italianas entenderam e atenderam o apelo popular fechando o criadouro Green Hill que vendia cães para laboratórios de pesquisa.
Por enquanto, no Brasil, o que estamos vendo é o Instituto Royal querendo recuperar os beagles e os diretores da empresa alegando que estão completamente dentro da lei. Mas a questão não é se os testes são legais. Que o governo autoriza testes em animais todo mundo já sabe. A questão é: são necessários? São justos? São éticos? O Royal recebeu R$ 5.249.498,52 de convênios com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação para “criação, manejo e fornecimento” de roedores e cães para a ciência. Por que essa fortuna doada pelo governo não é investida em métodos novos que dispensam o uso de animais? Não estaria na hora da Ciência dar um passo à frente ao invés de dois para trás?
Como agir se você tiver um beagle resgatado
Ricardo Ligiera, presidente da Comissão de Proteção e Defesa Animal da OAB-SP, pede que todos aqueles que ficaram com cães sob a sua guarda que auxiliem na produção de provas dos crimes de maus-tratos ocorridos no instituto, o que justificou o resgate dos animais: “Encaminhem fotos, vídeos e documentos que comprovem os maus-tratos para a COMISSÃO DE PROTEÇÃO E DEFESA ANIMAL DA OAB – SP, para a instrução do Processo: Rua Anchieta, 35, 1.º andar, CEP 01016-900. É muito importante que os animais sejam levados ao veterinário e que seja solicitada a elaboração de laudos que comprovem os maus-tratos, o que inclui a realização de experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. Os laudos devem conter a descrição de ferimentos, amputações, mutilações, intoxicação, inoculação de substâncias agressivas, sequelas decorrentes das experiências e confinamento, e indução de tumores para pesquisas”.
Como são os testes em beagles
Em geral, os testes com beagles são de toxidade oral, irritação aguda ocular, irritação aguda dérmica e toxicidade reprodutiva (nesse caso é avaliada quanto a substância afeta a capacidade do indivíduo em se reproduzir, seja atrofiando seus órgãos genitais, dificultando a produção de gametas ou diminuindo a libido). Os efeitos são devastadores e incluem náuseas, convulsões, diarreias, dificuldade respiratória, entre outros.
“Os beagles são dóceis, mas esse não é o principal motivo para serem usados. Cães SRD possuem muita variabilidade genética que não é adequada para testes de toxicologia. Animais com perfil genético semelhante proporcionam dados mais agrupados. Mas isso só mostra que esses resultados são resposta para esse perfil genético. Considerando que não somos beagles não há muita utilidade neles”, comenta o biólogo Sérgio Greif, autor da obra “Alternativas ao Uso de Animais Vivos na Educação – Pela Ciência Responsável”.
Greif diz que para os testes de irritação ocular, por exemplo, há uma centena de metodologias que não utilizam animais: “A maioria delas envolve o uso de células animais isoladas in vitro e sistemas organotípicos, mas até a germinação de uma espécie de leguminosa (Canavalia sp.) já se mostrou mais efetiva para prever o que aconteceria ao olho humano do que olhos de coelhos albinos ou de outros animais”.
Segundo o biólogo, outro recurso que pode ser utilizado em testes toxicológicos é a simulação computacional: “Com base na conformação fisica da molécula do tóxico é possivel se prever em quais sitios de ligação ela vai se ligar. Essas informações podem ser cruzadas com informações armazenadas em um banco de dados que, com base na estrutura da molécula, pode determinar que efeitos ela terá sobre o organismo”.
Os beagles são ainda forçados a inalar fumaça para testes para indústrias de cigarro. “Apesar de já estarem evidenciados os riscos que o fumo traz à nossa saúde, continuam utilizando animais na investigação dos efeitos do tabagismo. É simplesmente inaceitável que se justifique a inalação forçada de fumaça, por animais de laboratório, como forma de se avaliar os efeitos da nicotina e alcatrão sobre a saúde humana”, explica Greif.
O possível fim dos testes em animais
Uma das descobertas mais geniais dos últimos tempos é a córnea artificial desenvolvida por pesquisadores japoneses no National Institute of Agrobiological Societies. Trata-se de uma membrana de colágeno ultrafina que permite o cultivo de células que, por sua vez, recriam a córnea humana. Essa córnea mostrou-se mais eficiente que os olhos dos animais para detectar produtos tóxicos. Os resultados são mais específicos e próximos ao que aconteceria ao olho humano submetido as mesmas substâncias. E o melhor: a metodologia pode ser aplicada com células de qualquer parte do corpo, da pele aos órgãos internos, aposentando de vez os testes em animais que, inclusive, são bem mais caros que os testes in vitro.
Na contramão da Nova Ciência
A discussão em torno da manutenção da experimentação animal ganhou fôlego e também “pegou fogo” por conta da Lei 11.794 também conhecida como Lei Arouca sancionada em 2008. A partir de então, todos os centros de experimentação animal precisaram criar Comissões Éticas no Uso de Animais (Ceuas) para autorizar (ou não) os procedimentos. As comissões devem avaliar o grau de sofrimento dos animais e se os resultados esperados pela pesquisa justificam sua realização. Em cada Ceua deveria ter pelo menos um membro de ONG de Proteção Animal, mas ocorre que, para o protetor membro do Ceua, pode se tratar de uma luta solitária e em vão contra uma maioria de pesquisadores afirmando a necessidade de um determinado teste em animais.
Para muitos, a Lei Arouca tem um aspecto positivo que é o controle de abusos (excesso de animais utilizados e muitas vezes sem anestesia) e a proibição de testes para cosméticos, mas para um grande grupo a lei veio apenas legalizar ainda mais os testes e, quando muito, impor alguns procedimentos que visam o bem-estar da cobaia como se isso fosse possível num ambiente hostil, solitário, muitas vezes impedindo a mobilização do animal e em meio a aplicações de sustâncias tóxicas e letais.
Conforme muitos dos pesquisadores da Nova Ciência, a medicina se atrasa na busca de curas de doenças testando em animais diferentes do homem. Organismos diferentes reagem de forma diferente a medicamentos e tratamentos. A própria condição em que os animais são mantidos nos laboratórios afeta consideravelmente os resultados de uma pesquisa uma vez que o medo, a angústia e a depressão liberam substâncias no organismo das cobaias que comprometem a ação das drogas.
É bom saber
Em agosto de 2012 a Anvisa aprovou proposta para instituir uma cooperação com o Centro Brasileiro de Validação de Métodos Alternativos (Bracvam) – primeiro centro da América Latina a validar pesquisas sem a utilização de animais e ligado ao Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS-Fiocruz). Isso pode ser um avanço do mercado, uma esperança para os protetores de animais e, especialmente, uma medida economicamente inteligente para o Brasil. Desde 2004 a União Européia rejeita artigos de beleza testados em cobaias e, a partir de 2013, proibiu a venda de produtos com testes de toxicidade em animais. Tudo indica que se o Brasil quiser manter seus negócios no Exterior terá que se adequar aos novos tempos e à ética no desenvolvimento de cosméticos.