Creio que os brasileiros nunca estiveram tão envolvidos com histórias de exploração e de proteção de elefantes como agora, graças às histórias de elefantas asiáticas e africanas resgatadas pelo Santuário dos Elefantes Brasil (SEB), instalado na Chapada dos Guimarães, no Mato Grosso, nos últimos nove anos.
Também se deve ao Sandro, elefante asiático de 54 anos, que vive há 43 anos (desde 1982) restrito a um espaço insalubre no Zoológico de Sorocaba, no interior de São Paulo, e cujo destino está nas mãos da Justiça porque o prefeito não quer deixa-lo ir para o SEB.
E claro, nosso amor e respeito pelos elefantes só cresceu com as redes sociais, que compartilham essas histórias, nos envolvendo em debates e militância.
Eu, que amo os animais e escrevo sobre eles há anos, não tinha muita ligação com a espécie até que, em outubro de 2016, o SEB – que acabara de se instalar no Brasil – recebeu as primeiras elefantas Maia e Guida, com 42 e 44 anos, respectivamente, vindas de Paraguaçu, Minas Gerais.
Acompanhei a viagem de ambas e fiquei maravilhada com tudo que vi, descobri sobre a espécie e ao me dar conta de que, a partir daquele momento, elas viveriam livres, em ambiente apropriado e muito amoroso pelo resto de suas vidas. Maia vive até hoje no SEB, muito feliz. Guida faleceu três anos depois de sua chegada, mas, ao menos, ela teve tempo de apreciar o paraíso na companhia da amiga e morreu cercada de cuidados. Hoje, seis elefantas vivem na Chapada dos Guimarães, sendo cinco asiáticas e uma africana.
Por tudo isso, a notícia de que o governo de Bangladesh planeja resgatar os 96 elefantes que ainda vivem em cativeiro e reintroduzi-los na natureza me chamou a atenção e alegrou meu dia. Afinal, o país é conhecido pela exploração desses animais em circos, espetáculos de rua, trabalho ilegal, transporte de mercadorias e turistas e até mendicância.
O projeto foi lançado recentemente, faz parte do processo de conservação dos elefantes asiáticos no país e deve ser finalizado em três anos. O cerco à exploração se fecha cada vez mais. Em 2024, o Tribunal Superior emitiu diretiva para interromper atividades ilegais que envolvam o uso de espécies selvagens e a crueldade contra elas.
Florestas e censo
O espaço que reunirá os ‘elefantes livres de Bangladesh’ ainda não foi escolhido, mas há duas opções. “Inicialmente, selecionamos duas florestas — Rema-Kalenga, em Moulvibazar, eChunati, em Chittagong. Uma equipe de especialistas está trabalhando para definir a melhor opção para transformá-la em seu lar”, explica A.S. M Jahir Uddin Akon, diretor do projeto, à agência Mongabay.
E, neste momento, está em andamento a primeira fase do projeto: um levantamento minucioso sobre as condições físicas de cada animal, além do local onde vivem e de sua trajetória, que pode influenciar na recuperação ou exigir atenção especial.
“Como o último levantamento de elefantes no país foi realizado em 2016, presumimos que o número de elefantes possa não ser o mesmo. Portanto, estamos realizando o levantamento primeiro”, acrescentou Akon.
“Considerando a crueldade contra esses gigantes, planejamos resgatá-los de seus proprietários e, inicialmente, mantê-los em uma área isolada da floresta”, conta Syeda Rizwana Hasan, assessora do Ministério do Meio Ambiente, Florestas e Mudanças Climáticas de Bangladesh.
“Com base na sua capacidade de adaptação e condição física, decidiremos mais tarde se podem ou não ser reabilitados na natureza”, afirmou ela, acrescentando que, não importa o resultado, a prática de cativeiro será interrompida definitivamente e os elefantes nunca mais voltarão a viver assim.
Especialistas e iniciativas globais
“Como esse conceito é novo em Bangladesh e não temos experiência em lidar com essas tarefas, estamos tentando envolver especialistas relevantes neste projeto para que a iniciativa seja bem-sucedida”, destaca Akon. E ele explica que exemplos de iniciativas globais semelhantes, incluindo o orfanato de elefantes no Sri Lanka, também serão visitados.
Além do levantamento, o projeto – que consumirá 400 milhões de taka bengali (ou R$ 17.539.935,60) – investirá em consultas com as partes interessadas, pesquisa abrangente para encontrar a melhor maneira de lidar com elefantes na natureza e na compra dos elefantes de seus criadores.
Elefantes residentes, não-residentes e de cativeiro
De acordo com o relatório Status of Asian Elephants in Bangladesh (Situação dos Elefantes Asiáticos em Bangladesh, em tradução livre), da IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza), Bangladesh é um dos habitats do elefante asiático e hoje tem 268 indivíduos residentes, isto é, que vivem livres nas florestas montanhosas do sudeste e na região nordeste do país e são classificados como criticamente em perigo.
O país também abriga 96 elefantes em cativeiro. Destes, 14 pertencem a diversas entidades governamentais, incluindo zoológicos e parques de safári, enquanto os 82 restantes são mantidos por proprietários privados com diferentes fins, entre eles, circos e transporte de toras de madeira, prática que vem se tornando obsoleta devido à disponibilidade de veículos motorizados.
E ainda há os elefantes não residentes, que visitam Bangladesh frequentemente, vindos de países vizinhos, como Índia e Myanmar.
Iniciativa boa, mas…
E claro que há quem não acredite que a iniciativa pode dar certo, como Mohammed Mostafa Feeroz, professor de zoologia da Universidade de Jahangirnagar: “Embora a iniciativa seja boa, será difícil implementá-la por vários motivos. Em primeiro lugar, os elefantes em cativeiro perderam, em certa medida, sua natureza selvagem e, em segundo lugar, podem ser portadores de diferentes tipos de doenças devido ao contato próximo com humanos, o que precisa ser tratado com cuidado”.
Tomara que ele esteja errado. A julgar pelas experiências compartilhadas pelo Santuário de Elefantes Brasil, sim, é possível devolver elefantes de cativeiro à natureza, desde que o espaço seja amplo, atendendo às suas necessidades diárias de caminhadas, mas de forma controlada (a área do SEB é limitada), e conte com uma equipe de especialistas muito bem capacitada.
Atualmente, no mundo, existem cerca de 52 mil elefantes na natureza, distribuídos em 13 países. Todos que vivem no Brasil foram trazidos para exploração e a maioria – 21 indivíduos, segundo o Santuário de Elefantes Brasil – ainda está em cativeiro.
Fonte: Conexão Planeta