Muito mais dinheiro no mundo está sendo direcionado para as causas da crise climática do que para as soluções. Um novo relatório da ActionAid International revela o volume de financiamento contínuo que fluem dos bancos globais para os combustíveis fósseis e o agronegócio global, os dois setores que mais contribuem para o aquecimento do planeta.
Segundo o documento, o dinheiro disponibilizado para as empresas de combustíveis fósseis nos 134 países do Sul Global foi de US$ 3,2 trilhões (aproximadamente R$ 17,5 trilhões) nos sete anos seguintes à adoção do Acordo de Paris. Já o ofertado aos negócios em escala industrial no campo que operam na região foi de US$ 370 bilhões (R$ 2 trilhões) no mesmo período.
Desde o Acordo de Paris, assinado em 2015, os bancos forneceram quase 20 vezes mais financiamento para combustíveis fósseis e agro no Sul Global do que os governos do Norte Global forneceram como financiamento climático aos países na linha de frente da crise climática.
Na Europa, os maiores financiadores desses setores são HSBC, BNP Paribas, Société Générale e Barclays. Nas Américas, Citigroup, JPMorgan Chase e Bank of America. E, na Ásia, Industrial and Commercial Bank of China, China CITIC Bank, Bank of China e Mitsubishi UFJ Financial.
A ActionAid destaca que o maior beneficiário do financiamento do agronegócio no Sul Global é a Bayer. A multinacional alemã recebeu cerca de US$ 20,6 bilhões (R$ 112,6 bilhões) desde 2016. Já o maior de combustíveis fósseis é a State Power Investment Corporation, que recebeu US$ 203,9 bilhões (R$ 1,1 trilhão) no mesmo período.
Sem políticas para descarbonização
Pesquisas recentes mostraram que apenas 7% do financiamento dado pelos principais bancos internacionais analisados foram destinados à energia renovável nos sete anos desde o Acordo de Paris.
Muitas dessas instituições se comprometeram a atingir emissões “líquidas zero” em seu portfólio de financiamento até 2050, mas nenhuma tem políticas adequadas para descarbonizar genuinamente seu portfólio, diz o relatório.
Outras conclusões são que vários bancos, incluindo Barclays, BNP Paribas, HSBC e Citigroup, agora têm metas de longo prazo para eliminar gradualmente os empréstimos para carvão, mas continuam a financiar alguns dos maiores produtores de energia a carvão e empresas de mineração; que nenhum tem uma política para eliminar totalmente o financiamento de petróleo e gás, embora isso seja necessário para que seu financiamento seja compatível com a meta climática de 1,5°C, e também nenhum tem políticas que limitem o financiamento da agricultura industrial ou que favoreçam a agroecologia.
Mas os bancos não são os únicos financiadores dos setores que mais causam danos ao planeta. Globalmente, os subsídios públicos ao agronegócio ascendem a quase US$ 540 bilhões (R$ 2,9 trilhões) de dólares por ano. No caso dos subsídios aos combustíveis fósseis, eles atingiram US$ 7 bilhões (R$ 38,3 bilhões) em 2022, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (IMF).
Reportagem do The Guardian destaca que, em contraste, os países em desenvolvimento estão recebendo apenas uma fração dessas somas em financiamento climático, que os ajudaria a se afastar de indústrias sujas e poluentes em direção a uma economia mais limpa e de baixo carbono.
“Infelizmente, as promessas de financiamento climático do norte global são tão vazias quanto a retórica vazia que eles vêm proferindo há décadas”, disse Arthur Larok, secretário-geral da ActionAid. “Precisamos de compromissos genuínos para acabar com a crise climática.”
Recomendações para bancos e governos
A ActionAid, na seção final do seu relatório, apresenta recomendações para bancos e governos apoiarem uma transição justa do financiamento. Para o primeiro grupo elas incluem:
– Parar de financiar combustíveis fósseis: suspender imediatamente o financiamento corporativo e de projetos de expansão de combustíveis fósseis e todas as atividades de carvão, e desenvolver estratégias de transição rápida do petróleo e do gás;
– Interromper o financiamento do desmatamento e de outras atividades prejudiciais da agricultura em escala industrial: parar o financiamento de projetos e empresas que contribuem para o desmatamento e outras atividades prejudiciais em escala industrial e definir limitações claras para orientar as estratégias;
– Proteger os direitos das comunidades: fortalecer as políticas contra violações de direitos humanos e o desmatamento, e garantir o consentimento livre, prévio e informado (FPIC), salvaguardas robustas e mecanismos eficazes de divulgação e reparação;
– Trabalhar para reduzir as emissões a “zero real”: estabelecer metas reais e ambiciosas para reduzir as emissões do portfólio de financiamento para o mais próximo possível de zero, sem compensações, e cobrindo todas as emissões decorrentes de seus empréstimos e subscrição, e as emissões de escopo 1-3 de seus clientes;
– Reforçar a transparência e as ferramentas de verificação: Aprimorar as medidas para garantir a transparência e responsabilização sobre financiamento de projetos e empresas, inclusive por meio de relatórios disponibilizados publicamente em bancos de dados on-line sobre políticas, práticas e indicadores de desempenho em metas de emissões, salvaguardas e padrões de direitos humanos.
Já os governos devem:
– Regular efetivamente os setores bancário, financeiro, de combustíveis fósseis e de agricultura em escala industrial;
– Redirecionar os subsídios aos combustíveis fósseis e a agricultura em escala industrial;
– Ampliar o apoio e o planejamento de transições justas para soluções reais, como energia renovável e agroecologia;
– Financiar transições justas por meio do aumento do financiamento climático, da justiça tributária e do perdão da dívida.
Fonte: Um Só Planeta