Todo ano elas fazem tudo sempre igual: trocam as águas geladas e cheias de predadores da Antártida pelas do litoral de Santa Catarina, mais quentes e seguras. Essas visitantes fiéis são as baleias-francas, que fazem a longa viagem para os rituais de acasalamento e nascimento dos filhotes, proporcionando um espetáculo que vem atraindo um número crescente de turistas, num roteiro que inclui cavalgadas, esportes radicais, passeios de barco e gastronomia. Além, claro, da própria exuberância da região, que conta com algumas das mais belas praias do Brasil, como Ibiraquera, Luz e Rosa – a única do país no Clube das Baías Mais Belas do Mundo – todas cercadas de montanhas cobertas pela Mata Atlântica.
A temporada de observação dos cetáceos começa oficialmente em julho, e se estende até novembro – exatamente no período da baixa temporada, o que representa um empurrão considerável na economia local, muito dependente do turismo. Os passeios duram cerca de uma hora e meia e têm como ponto de partida, dependendo da localização das baleias, a praia de Garopaba ou a do Porto, na vizinha Imbituba, ambas a cerca de 90 quilômetros ao Sul de Florianópolis. Em barcos construídos especialmente para essa finalidade, é possível chegar bem perto das francas, que muitas vezes passam por baixo e até encostam na embarcação.
O show das baleias muitas vezes inclui saltos cinematográficos ou a exibição da cauda. Tudo isso faz parte do jogo reprodutivo: machos e fêmeas se mostram uns aos outros, em busca de parceiros, enquanto as mães ensinam esses truques de sedução aos filhotes.
– Elas têm uma espécie de memória instintiva que as leva a ter os filhotes no mesmo lugar em que nasceram, por isso a tendência é que, a cada ano, o número delas aumente na região – explica a bióloga Ariane Rodrigues, uma das estagiárias do Instituto Baleia Franca (IBF) que monitoram a rotina dos cetáceos e acompanham os passeios de barco para garantir que as normas de proteção ao animal, que tem status de Monumento Natural do estado, sejam cumpridas.
Regras que desde 1973, quando a última franca foi caçada no Brasil, vêm protegendo a espécie de uma matança facilitada por seu próprio temperamento.
– Elas são chamadas de francas justamente porque são dóceis e amistosas. São curiosas, por isso costumavam se aproximar muito dos caçadores, como agora se aproximam dos turistas – explica Enrique Litman, presidente do IBF, um argentino que se estabeleceu na região na década de 90 e há 11 anos estuda o comportamento da espécie e divulga a importância de sua preservação, tanto pelo respeito à natureza quanto pela importância econômica.
Para os visitantes, é uma mistura de sensações: emoção pela proximidade com um animal desse porte (fêmeas adultas chegam a 18 metros de comprimento, com até 60 toneladas) encantamento pela beleza do instante, emoldurado pela quase intocada paisagem da orla catarinense, e até um certo receio. Impossível não pensar que qualquer movimento mais brusco da baleia poderia virar um barco menor do que ela, mas não há registro de nenhum incidente deste tipo.
Como buscam proteção nas águas catarinenses, as francas costumam ficar bem perto da areia, logo após a faixa de arrebentação das ondas. Isso faz com que os barcos não precisem navegar por grandes distâncias até o alto-mar para chegar a elas, o que diminui a chance de enjoos nos turistas. Além disso, esse comportamento permite que os cetáceos sejam avistadas da própria orla, de preferência com a ajuda de binóculos, para acompanhar melhor suas peripécias.
Fonte: O Globo