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MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Baleias-azuis estão ficando estranhamente silenciosas e cientistas afirmam que é um sinal de alerta

Estudo de seis anos na costa da Califórnia revela como ondas de calor marinhas e poluição sonora estão silenciando os maiores cantores do oceano. Salvar o oceano começa por ouvi-lo?

29 de julho de 2025
Avery Schuyler Nunn
8 min. de leitura
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Foto: NOAA Photo Library

Sob a superfície do oceano, uma sinfonia ondula e rola, ricocheteia e ressoa — e as baleias derramam seus cantos na paisagem sonora das profundezas como riachos de prata fundida.

No meio desse ruído, um cabo de 51 quilômetros de extensão se estende a partir da costa da Califórnia ao longo do fundo do mar, ancorado a 900 metros de profundidade. Em sua extremidade, há um cilindro metálico de cinco centímetros de largura apoiado sobre três pernas. Este hidrofone, um microfone subaquático, pode gravar e rastrear as harmonias mutáveis do oceano por anos a fio.

“Quando você realmente começa a ouvir quantas coisas produzem sons no oceano, é incrível o que se escuta”, diz Jarrod Santora, oceanógrafo de ecossistemas e biólogo pesquisador da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA).

Ao sintonizar essas canções subaquáticas, os cientistas podem decifrar os ritmos da vida marinha, buscando sinais de desequilíbrio e resiliência, e monitorando como as espécies respondem ao impacto humano. Enquanto as baleias navegam por mares transformados pelas mudanças climáticas, poluição sonora e atividade industrial, suas vozes oferecem um registro vital de um mundo em transformação.

“Só quando conectei um hidrofone percebi que esse mundo sonoro pode nos ajudar a entender os impactos humanos, a natureza e o equilíbrio entre eles”, diz John Ryan, oceanógrafo biológico do Instituto de Pesquisa do Aquário da Baía de Monterey.

Em um estudo publicado no início deste ano, que rastreou mais de seis anos de monitoramento acústico no ecossistema da Corrente da Califórnia, Ryan e uma equipe de pesquisadores encontraram padrões claros nos cantos das baleias ao longo das estações e anos. Por acaso, as gravações começaram durante uma enorme onda de calor marinha, sem precedentes na região.

O estudo documentou os cantos das baleias a partir de julho de 2015 e revelou que espécies diferentes reagiram de formas distintas. As jubartes, com uma dieta mais variada, conseguiram se adaptar às condições adversas — seus cantos não mudaram. Já as baleias-azuis e as baleias-fin, que se alimentam quase exclusivamente de krill, foram registradas com menos frequência do que em anos anteriores.

A onda de calor reduziu o alimento das baleias e desencadeou mudanças nocivas na química do oceano, permitindo a proliferação de algas tóxicas. “Foi o envenenamento mais extenso de mamíferos marinhos já documentado. Foram tempos difíceis para as baleias”, diz Ryan.

Conforme as presas se tornaram escassas, as vocalizações das baleias-azuis caíram quase 40%, acompanhando o colapso nas populações de krill e anchova, mostrou o estudo.

“Quando você analisa, é como tentar cantar enquanto está morrendo de fome”, acrescenta Ryan. “Elas gastavam toda a energia tentando encontrar comida.”

Um evento anômalo de onda de calor marinha

Em 2013, uma massa de água excepcionalmente quente persistiu no inverno no Mar de Bering e no Golfo do Alasca. O fenômeno desafiava explicações simples, e sua duração deixou os cientistas perplexos. À medida que essa água quente se expandia para o sul ao longo da costa do Pacífico em 2014, do Alasca ao México, ganhou um apelido: “A Bolha” (The Blob).

Em alguns lugares, as temperaturas do oceano estavam mais de 2,5°C acima da média. A Bolha se espalhou rapidamente, cobrindo uma área de 800 km de largura e 90 metros de profundidade. E, até 2016, abrangia mais de 3.200 km do Oceano Pacífico.

O krill — pequenos crustáceos que formam a base da cadeia alimentar marinha — desapareceu subitamente. Em anos anteriores, chegava em quantidades tão grandes que as redes de pesca ficavam rosadas com sua abundância. Durante a onda de calor, praticamente sumiu.

“Quando temos esses anos muito quentes e ondas de calor marinhas, não é só a temperatura que muda”, explica a oceanógrafa Kelly Benoit-Bird, bióloga marinha do Aquário da Baía de Monterey e coautora do estudo. “Todo o sistema se altera, e o krill some. Então, os animais que dependem exclusivamente dele ficam sem sorte.”

As baleias-azuis, os maiores animais da Terra, estavam entre os azarados. Suas mandíbulas enormes e gargantas pregueadas evoluíram para engolir milhares de litros de água de uma só vez — mas só quando o krill está densamente agrupado para valer o esforço. “Esse comportamento de agrupamento é crucial para sua sobrevivência”, diz Benoit-Bird. “Cada bocada precisa compensar o mergulho.”

E, no calor, não só o número de krill diminuiu, mas seu comportamento também pode ter mudado. Com as correntes de ressurgência alteradas pelo calor, eles se dispersaram. Isso tornou ainda mais difícil para as baleias encontrarem alimento suficiente.

“Não as ouvimos cantar”, diz Ryan sobre as gravações daquele ano. “Elas estão gastando toda a energia procurando. Não sobra tempo — e isso nos diz que esses anos foram incrivelmente estressantes.”

E, conforme as emissões de gases de efeito estufa aprisionam mais energia do sol, os oceanos — que já absorvem mais de 90% do excesso de calor das mudanças climáticas — estão ficando mais vulneráveis a eventos extremos, como ondas de calor marinhas e El Niños mais intensos. Um estudo recente publicado na PNAS descobriu que a duração dessas ondas de calor triplicou desde os anos 1940. Agora, esses eventos estão em média 1°C mais quentes, com algumas regiões registrando picos de até 5°C.

“Há consequências para todo o ecossistema”, continua Benoit-Bird. “Se elas não encontram comida e podem percorrer toda a costa oeste da América do Norte, isso é um impacto em larga escala.”

Em todo um oceano, as baleias-azuis repetem uma tendência

Nas águas entre as ilhas da Nova Zelândia, pesquisadores que estudavam baleias-azuis entre 2016 e 2018 encontraram, sem querer, águas estranhamente silenciosas durante os anos da Bolha — assim como na Califórnia.

“Queríamos entender a ecologia das baleias-azuis”, diz Dawn Barlow, ecóloga do Instituto de Mamíferos Marinhos da Universidade Estadual do Oregon e autora principal do estudo. “E, sem planejar, acabamos pesquisando os efeitos das ondas de calor marinhas — o que, hoje em dia, é difícil de evitar quando se trabalha no oceano.”

Usando gravadores subaquáticos no Estreito de Taranaki, Barlow e sua equipe rastrearam dois tipos de vocalizações: chamados D de baixa frequência, ligados à alimentação, e cantos padronizados, associados ao acasalamento. Nos anos de água anormalmente quente, houve menos chamados D na primavera e no verão — sinalizando menos esforço para se alimentar. No outono seguinte, a intensidade dos cantos também diminuiu, sugerindo redução na atividade reprodutiva.

“Quando há menos oportunidades de alimentação, elas investem menos na reprodução”, explica Barlow.

Para os cientistas, o silêncio tornou-se um alerta.

“As baleias-azuis são sentinelas”, diz Barlow. “Elas integram muitos processos oceânicos. Onde estão e o que fazem pode dizer muito sobre a saúde do ecossistema.”

E os efeitos de uma única onda de calor podem durar muito depois que as temperaturas baixam.

“A Bolha mostrou como essas consequências podem ser duradouras”, acrescenta. “Não se trata apenas do que acontece durante a onda de calor — são os impactos persistentes, especialmente para animais longevos como as baleias.”

Essa longevidade as torna sentinelas poderosas. Se uma espécie capaz de percorrer uma costa inteira começa a fraquejar — lutando para encontrar comida, adiando a reprodução —, os pesquisadores afirmam que o sinal é claro: algo profundo no ecossistema está mudando. E, em lugares onde as ondas de calor se repetem, a transformação pode ser irreversível, deixando um oceano profundamente — e talvez permanentemente — alterado.

“Há o risco de um desses eventos se tornar um ponto de virada, e o oceano pode não voltar ao que era”, diz Benoit-Bird. “E isso importa. Para como o oceano absorve carbono, para os peixes que comemos e para o futuro dos ecossistemas marinhos.”

Ouvir as baleias pode ajudar a proteger o oceano?

Até mesmo águas rasas, onde camarões-estaladores crepitam como fogos de artifício subaquáticos, estão começando a soar diferentes. Um estudo de 2022 descobriu que esses camarões, um dos seres mais barulhentos do oceano, estalavam com mais frequência e força conforme a água esquentava. Talvez, especulam os cientistas, porque ficam agitados.

Um desafio para usar o som como medida das mudanças oceânicas é estabelecer uma base de como um oceano intocado soa. A pandemia de COVID-19 ofereceu um raro experimento. Quando o transporte marítimo global parou, um breve silêncio pairou sobre os mares — antes que a atividade retomasse em ritmo ainda mais acelerado.

“Os animais certamente reagiram — mudaram sua distribuição e usaram o habitat de forma diferente quando os humanos não estavam mais lá”, diz Benoit-Bird.

Ela lembra como muitos viram animais selvagens nas ruas vazias das cidades. No oceano, a reação foi igualmente profunda, só que mais difícil de testemunhar. “Não pensamos nos humanos como parte do oceano da mesma forma, mas estamos. Estamos lá — estamos em todo lugar.”

Embora os cientistas tenham detectado certos padrões, são necessários mais dados para conectar sons específicos a mudanças ambientais.

“É tão difícil obter observações no oceano”, diz Santora, da NOAA. “Uma rede como essa abre portas para muitas possibilidades — conservação, gestão, mitigação.”

As baleias seguem um ritmo mais lento que os peixes, com gerações sobrepostas e vida útil de 80 anos que mascara tendências rápidas. Embora suas populações tenham crescido desde o fim da caça comercial, apenas cerca de 30 gerações se passaram — e os cientistas afirmam que talvez precisemos do dobro para entender as ameaças atuais.

“A ciência mostra que as mudanças climáticas estão afetando os oceanos”, diz Dawn. “Vemos isso em todos os níveis tróficos, em todos os ecossistemas. Ouvir e aprender com esses lugares é essencial para nosso futuro. Agora, mais do que nunca, é importante escutar.”

Traduzido de National Geographic.

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