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AÇÃO HUMANA

Baleias-azuis da Patagônia são ameaçadas por centenas de embarcações

30 de maio de 2021
Maria Salazar (Mongabay) | Traduzido por Analu Rupp, Felipe Lisboa e Jean Alexandre
12 min. de leitura
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As baleias-azuis que se alimentam na costa norte da Patagônia do Chile têm que se desviar diariamente de centenas de embarcações, atendendo às criações de salmão da área.

O tráfego marítimo na área é tão intenso que os cientistas o descreveram como uma “rede neural” de conexões entre as criações de salmão.

Os vários impactos variam desde colisões, que podem resultar na morte de baleias, até a poluição sonora que impede que as baleias se alimentem adequadamente.

Os pesquisadores responsáveis pelo estudo solicitaram medidas para reduzir a intensidade do tráfego de embarcações e para estar mais atentos às baleias na área.

Foto: Centro de Conservación Cetacea

Os pesquisadores conseguiram, pela primeira vez, mostrar visualmente os impactos que o tráfego marítimo está causando no maior animal do mundo, no Norte da região da Patagônia chilena.

As imagens, amplamente compartilhadas nas redes sociais, mostram a vida de uma baleia azul (Balaenoptera musculus) em uma semana, ao tentar alimentar-se em meio ao tráfego de centenas de embarcações que transitam pelo Oceano Pacífico. O vídeo do ponto azul solitário ziguezagueando entre um exército de pontos vermelhos é apenas uma parte de uma descoberta mais importante.

Há vários anos, pesquisadores descobriram que a Patagônia do Norte do Chile (NCP) é o mais importante local de alimentação e de reprodução das baleias azuis do Sudeste do Pacífico durante o verão austral. Agora, um estudo publicado em Relatórios Científicos identificou, dentro desse grande espaço, as quatro áreas onde as baleias preferem alimentar-se.

Para o estudo, os pesquisadores instalaram rastreadores via satélite em 14 baleias para observar seus movimentos. Em paralelo, eles construíram um mapa com as rotas das embarcações, utilizando suas informações via satélite.

O que eles descobriram, quando sobrepuseram os movimentos das baleias e das embarcações, é que elas se alimentam em lugares que estão sujeitos a um intenso tráfego marítimo. A situação pode colocar em perigo a recuperação dessa população única de baleias azuis, estando ameaçada, conforme a Lista Vermelha da IUCN.

Uma década de trabalho

O Norte da Patagônia chilena é caracterizado por uma geografia dividida em baías, arquipélagos e canais. O mar ali é particularmente rico em nutrientes devido à mistura das águas subantárticas com um influxo abundante de água doce dos rios, de chuvas fortes e de derretimento glacial.

A riqueza do mar da Patagônia é tamanha que, segundo o estudo, “várias microbacias foram identificadas, algumas das quais têm um nível particularmente alto de produção primária, ou seja, de fitoplâncton (pequenas algas que são a base de toda a cadeia alimentar oceânica)”. Logo, esse lugar é o local de alimentação mais importante para a baleia azul do Sudeste do Pacífico.

Esse importante ecossistema, porém, é também o local da segunda maior indústria de cultivo de salmão do mundo, ficando atrás apenas da Noruega. Existem 1.357 concessões de criação de salmão no Chile, distribuídas entre as três regiões mais ao Sul, de acordo com dados de 2020 da Subsecretaria Nacional de Pesca e Aquicultura.

Em 2004, cientistas do Centro Ballena Azul – uma organização que se concentra na conservação da baleia azul – iniciaram a instalação de sistemas de rastreamento via satélite sobre as baleias para descobrir para onde elas migram. O objetivo era identificar áreas a serem protegidas para permitir a recuperação dessa população da intensa caça dos séculos XIX e XX, o que quase levou as baleias azuis dessa região à extinção.

Naquele ano, os cientistas identificaram quatro baleias no Golfo do Corcovado; contudo, demorou mais nove anos até que eles conseguissem levantar fundos suficientes para continuar instalando mais transmissores via satélite. Segundo o biólogo marinho Rodrigo Hucke, presidente do Centro Ballena Azul e coautor do estudo, cada um deles custou 4.000 dólares. Em 2013, eles marcaram outras duas baleias no Mar de Chiloé. Em 2015, eles identificaram mais três; em 2016, mais duas e, em 2019, mais quatro, totalizando, assim, 15 baleias até hoje.

Embora todas as baleias identificadas provavelmente pertençam à população do Sudeste do Pacífico, a mais rica da região, os cientistas afirmam ser possível que alguns dos animais sejam baleias-azuis-antárticas (B. m. intermedia), uma população cujas vocalizações também foram registradas na região. Os pesquisadores declaram que não há diferenças visíveis entre os dois grupos de baleias, podendo, no entanto, serem distinguidas geneticamente.

Segundo Hucke, desde 2013, os pesquisadores têm descoberto “coisas maravilhosas” por meio dos transmissores via satélite, incluindo uma ligação entre a Patagônia e as Galápagos. Durante a primavera austral e o verão, as baleias azuis do Sudeste do Pacífico alimentam-se na Patagônia; entretanto, no inverno, a maioria delas migram. Os cientistas observaram que, enquanto algumas vão para o Oeste, em direção às águas abertas do Pacífico, outras vão para o Norte, em direção a Galápagos. O que elas fazem lá ainda é um mistério, mas os cientistas especulam que as baleias podem reproduzir-se naquele local.

De acordo com Luis Bedriñana, autor-chefe do estudo, as informações via satélite coletadas dos transmissores foram combinadas com informações coletadas sobre expedições marinhas onde eles contaram as baleias. “Todos esses dados foram integrados em um modelo para que se pudesse finalmente obter um mapa que indicasse onde seria mais provável que os animais fossem encontrados”, ele pondera.

Os pesquisadores colocaram, então, outro mapa em cima disso, mostrando as rotas dos navios na região. Os dados estão disponíveis gratuitamente. Desde 2019, o Serviço Nacional de Pesca e Aquicultura (National Fisheries and Aquaculture Service – Sernapesca) mantém um registro diário dos dados de navegação produzidos por sistemas de rastreamento via satélite em barcos de pesca industrial, barcos de pesca artesanal, embarcações de aquicultura e navios de transporte. O objetivo de combinar ambos os mapas era “ver realmente com o que o maior animal do mundo tem que lidar”, relatou Hucke.

Grande frota de aquacultura

Os pesquisadores foram capazes de confirmar que, desses quatro setores, a aquacultura tem a maior presença no mar. De acordo com o estudo, o número de navios ativos por dia foi em torno de 602 e 729 para a aquacultura, seguida pela pesca de baixa-escala em 37 a 76 navios ativos. Navios de transporte variam entre seis e 57, e navios de pesca industrial variam de um para 13 diariamente.

O estudo diz que, enquanto todos os barcos tiveram muita probabilidade de entrar em contato com baleias nessa região, “é possível que a frota de aquacultura represente o maior fator de interações negativas entre barcos e baleias.”

Hucke afirmou que os dados não distinguem entre tipos de aquacultura, mas “as criações de salmão são indiscutivelmente a maior indústria na região.” É também uma indústria que foi largamente criticada por cientistas e conservacionistas devido aos impactos gerados em ecossistemas marinhos.

Os navios usados pela indústria – para transporte de salmão de gaiolas marítimas para usinas de processamento na costa, assim como transporte de comida, suprimento e funcionários – seguem uma rota de consolidação e redespacho que cria uma “rede neural entre as fazendas [de salmão]”, disse Bedriñana.

O mapa dos movimentos das baleias indica que elas se alimentam majoritariamente em quatro lugares: no Golfo de Ancud, na costa oeste da Ilha Chiloé, no Norte do Canal Moraleda e na Baía da Aventura. Isso faz dessas áreas uma prioridade de conservação.

Mas, nos primeiros três lugares, as baleias têm que lidar com a presença de um grande número de navios de aquacultura, assim como mostrado no mapa abaixo. No caso da Baía da Aventura, as baleias têm que evitar majoritariamente navios de pesca industrial.

Nessas áreas, o estudo observou que “uma gestão urgente é necessária”, devido aos diferentes impactos que navios podem estar causando em baleias, indo de colisões a poluição sonora.

Quais os impactos do tráfego marinho?

“Há evidência de que vários navios bateram em baleias azuis e as mataram”, Hucke informou, acrescentando, porém, que é difícil estimar o número de acidentes resultando de colisões. Nem todos os acidentes são reportados, baleias que morrem em colisões podem frequentemente se perder no mar, ou afundar, ou apenas morrer vários dias depois.

“Noventa e nove por cento dos casos não são reportados”, Hucke disse. “Em raras ocasiões, navios chegam ao porto sem saber porque não conseguem atingir velocidades normais, só para descobrir que eles tinham uma baleia na proa.”

Ele acrescentou que “às vezes [barcos] atingem algo, não percebem e o animal muitas vezes morre. Em resumo, se [a baleia] não chegar à costa, isso não é reportado.”

Enquanto há vários estudos sobre colisões entre baleias e barcos no Norte dos oceanos Pacífico e Atlântico, há pouquíssimas pesquisas sobre o assunto em águas ao redor da América do Sul. Fora da costa da Califórnia, um dos hábitats de baleia mais estudados, estudos indicam que a “taxa de crescimento de baleias deveria ser muito maior do que é atualmente”, a oceanógrafa Susannah Buchan da Universidade de Concepción, no Chile, relatou ao Mongabay Latam. Uma das causas, ela informa, seria “que muito mais baleias estão morrendo de colisões a cada ano do que aquilo que é registrado”.

O que é preocupante sobre isso, segundo Hucke, é que, de acordo com os cálculos de Bedriñana, se apenas uma dessas baleias ao Norte da Patagônia morre, a cada dois anos, de fatores humanos, a população vai ter problemas para se recuperar. “E se for fêmea, é ainda pior”, ele adicionou.

Um segundo impacto, não menos sério, no entanto, é a poluição sonora causada pelo tráfego marinho.
Um estudo publicado recentemente sobre a cacofonia feita pelo homem nos oceanos mundiais diz que “o som é o sinal sensorial que viaja mais longe no oceano e é usado por animais marinhos, indo de invertebrados até grandes baleias, para interpretar e explorar o meio ambiente marítimo e para interagir com eles e com outras espécies.”

O barulho feito pelos navios pode interferir com esses sinais, o que interrompe “viagens, caças, socialização, comunicação, descanso e outros comportamentos em mamíferos marinhos”, de acordo com o estudo.

Buchan ponderou que os barcos fazem barulhos na mesma frequência que a vocalização de baleias, o que tem o efeito de “mascarar” os sinais emitidos por esses animais. Bedriñana relata que essas disrupções no movimento das baleias e na sua alimentação podem impactar a conservação das espécies.

“Você tem que entender que esses animais não estão aqui de férias”, ele asseverou. “Sua missão é consumir largas quantidades de energia para conseguir migrar para Galápagos.”

Ele acrescentou que a falta de comida em águas antárticas, durante alguns anos, dá uma ideia do que poderia acontecer às baleias azuis da Patagônia se elas não conseguirem o bastante para comer.

“Foi observado que as fêmeas podem escolher não migrar, não reproduzir aquele ano porque elas não foram capazes de conseguir energia suficiente”, segundo Bedriñana. “Se nós aplicarmos isso à nossa área de estudo, ao invés da baixa produtividade que pode também acontece a cada alguns anos, nós olharíamos o barulho e a inconveniência de ter que desviar de barcos todo dia – isto é energeticamente exigente – não apenas isso, mas também impede o animal de se alimentar.”

Isso pode levar a baleia a não conseguir a energia que precisa para fazer a jornada ao seu local de nascimento, e “isso tem um impacto direto na população vulnerável”, Bedriñana informou.

Projetos de aquacultura não consideram tais impactos em suas linhas bases, apesar de que isso pode mudar. “O Secretariado para Pescarias está finalizando um projeto, por meio do Fundo para Pesquisa de Pesca e Aquacultura [FIPA], que irá finalmente incorporar mamíferos marítimos em sua linha base de estudos”, Hucke disse. “Estamos tentando fazer algo sobre isso há anos. Infelizmente, estamos muito atrasados. A ciência está muito atrás do desenvolvimento da indústria.”

Necessidade de ação

Abordar o intenso tráfego marítimo associado à aquacultura “não vai ser simples”, de acordo com Hucke. “Há práticas que têm sido eficazes no Canal do Panamá, um dos locais mais movimentados do planeta em termos de tráfego marítimo, e têm havido outros exercícios na Costa Rica”, afirmou.

A primeira coisa a ser feita, segundo o estudo, é dar prioridade às quatro áreas identificadas como sendo as mais importantes para a alimentação das baleias. “Por enquanto, a forma mais eficaz de reduzir o risco de colisão é manter as baleias e os barcos separados, no espaço ou no tempo”, disse Hucke. O estudo também sugere implementar medidas, como limite de velocidade.

“Ninguém quer impedir ninguém de navegar. Não se trata disso. Trata-se antes de navegar bem”, ressaltou Hucke, acrescentando que isto exigirá “estabelecer rotas, reduzir velocidades, ter mais cuidado em certas áreas, desviar certas rotas estabelecidas para que não se sobreponham aos locais mais importantes para as baleias e, se houver baleias, deixar a área”.

Ele pediu também que fossem estabelecidas medidas de acordo com a hora do dia, porque “é, à noite, que as baleias estão mais próximas da superfície; visto que a sua alimentação também está mais próxima da superfície e, quando se alimentam, estão alheias a tudo o mais que se passa a seu redor. Tudo o que elas querem é comer.”

Embora as variações no tráfego marítimo ao longo do dia não tenham sido consideradas neste estudo, é algo que os cientistas esperam analisar em breve.

“Queríamos concentrar-nos primeiro na variação espacial e em diferentes setores, para além dos modelos de baleia”, Bedriñana ponderou; porém, “sem dúvida, o nosso próximo passo é avaliar isso.

Variação temporal não só entre o dia e a noite, mas também entre as estações do ano”, acrescentando que também pretendem aplicar esse modelo de pesquisa aos golfinhos.

Nesse momento, os investigadores esperam que essas importantes descobertas promovam, nas palavras de Hucke, “um esforço conjunto entre cientistas e decisores, incluindo a Marinha, o Subsecretariado das Pescas, Sernapesca e o Ministro do Ambiente, conduzindo a uma discussão sobre quais as opções disponíveis para que as possamos prosseguir”.
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Citações:

Bedriñana-Romano, L., Hucke-Gaete, R., Viddi, F. A., Johnson, D., Zerbini, A. N., Morales, J., … Palacios, D. M. (2021). Defining priority areas for blue whale conservation and investigating overlap with vessel traffic in Chilean Patagonia, using a fast-fitting movement model. Scientific Reports, 11(1). doi:10.1038/s41598-021-82220-5

Duarte, C. M., Chapuis, L., Chapuis, S. P., Costa, D. P., Devassy, R. P., Eguiluz, V. M., … Juanes, F. (2021). The soundscape of the Anthropocene ocean. Science, 371(6529), eaba4658. doi:10.1126/science.aba4658.

 

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