Quando o outono vai alcançando o fim, é hora de olhar atentamente para o mar – elas estão chegando. Após uma longa viagem desde a Antártida, as baleias da espécie franca vêm ao litoral brasileiro para terem seus filhotes, um ritual acompanhado por pesquisadores todos os anos, a ponto de alguns desses animais serem “velhos conhecidos”, num relacionamento que em alguns casos já dura duas décadas.
Uma baleia franca pode viver 80 anos, entre muitas navegações e reproduções mar afora. Especialista em acompanhar as passagens destes mamíferos pelo Brasil, a equipe do Instituto Australis cataloga a vida de alguns destes cetáceos desde o nascimento no litoral sul de Santa Catarina, como parte das atividades do Projeto Franca Austral, ou ProFranca.
Desde 1987, as baleias são observadas e ganham seus “diários”, onde se observa o comportamento, os filhotes, lesões e toda informação possível. Se antes o monitoramento aéreo era mais raro, hoje com os drones é possível documentação farta. “Temos um catálogo de fotoidentificação com mais de mil baleias franca catalogadas, especialmente no Sul, mas também na região Sudeste, com contribuição de cidadãos e pesquisadores de outros estados”, conta Karina Groch, diretora de pesquisa do projeto com sede em Imbituba (SC).
As chamadas “verrugas” das baleias são uma marca de nascença e servem como “impressão digital” das francas, porém só se destacam após a proliferação de pequenos crustáceos na pele dos animais, os ciamídeos, que podem se multiplicar em centenas, sempre a velejar de carona no dorso das baleias. As marcas de cada baleia permanecem por toda vida e ajudam os pesquisadores a identificá-las.
Após anos de acompanhamento das francas, a pesquisadora do ProFranca já conhece “de olho” algumas delas. “Apareceram baleias ali em frente à nossa sede e mandamos o drone para filmar. Olhei e disse: ‘Eu conheço essa baleia’. Eu faço a análise de identificação e me familiarizei de tal forma com os padrões de calosidade [as ‘verrugas’ no dorso dos animais] que consigo bater o olho na foto e já saber que conheço a baleia”, conta Groch.
Uma delas é Sloughy, que na tradução livre para o português seria algo como “craquenta”, em uma brincadeira de pesquisadores que a avistaram nas Ilhas Geórgia do Sul, território britânico próximo às Malvinas, no Atlântico Sul. A franca foi avistada em SC no seu ano de nascimento, 2002, e desde então voltou quase que em todas as vezes em que foi possível ter um filhote, a cada três anos. Este é o tempo do ciclo reprodutivo da espécie — um ano para a gestação, um para cuidar do filhote e outro para se recuperarem antes de começar a jornada novamente.
Este ano, Sloughy, que foi apelidada de “fiel”, está entre nós mais uma vez – a expectativa é saber se ela será mamãe de novo em águas brasileiras. “De repente, a Sloughy está aqui em frente à nossa sede. Sabemos o ano em que ela nasceu, e podemos ainda acompanhar mais e saber quantos filhotes ela teve, quantos anos vai viver… A gente se sente íntimo da baleia”, afirma a pesquisadora.
Os sumiços são a pior parte. Quando uma baleia não retorna, a apreensão sobre seu paradeiro começa a surgir. Felícia, uma das baleias catalogadas pelo projeto, está completando dez anos sem emergir no litoral catarinense.
“A Felícia não vemos há mais de dez anos, não sabemos que idade ela tinha, mas a gente conhece ela desde 1999, ela foi a primeira com a qual eu me familiarizei mais. Ela tem marcas de cortes na cauda, de embarcação, cortes sutis de hélice, e eu consegui enxergar isso quando estava no doutorado fazendo observações.”
As baleias que marcaram a vida do projeto, uma pesquisa constante desde 1982 na região, que começou como Projeto Baleia Franca, são também embaixadoras da conservação da espécie no Brasil. Além de Sloughy e Felícia, a equipe conta com Sunset, JDot, Mariscal e Zimba, cada uma com uma história particular de aparições, filhotes e características marcantes.
Fonte: Um Só Planeta