Para os observadores de aves do Hemisfério Norte, o canto do chiffchaff e do wheatear anuncia a primavera tão seguramente quanto os primeiros açafrões. Em março, essas aves retornam de suas jornadas de inverno, percorrendo milhares de quilômetros com uma precisão impressionante — algumas até revisitam o mesmo local de nidificação com margens de erro de apenas centímetros. Enquanto muitos imaginam a migração como bandos sincronizados de gansos ou revoadas de estorninhos, a realidade é mais solitária: a maioria das aves migra à noite e sozinha, sem guias ou companheiros de viagem.
A questão de como as aves encontram seu caminho durante migrações tão extensas fascina cientistas há séculos — desde Aristóteles, que acreditava, erroneamente, que redstarts se transformavam em tordos no inverno. Hoje, pesquisadores como Miriam Liedvogel, diretora do Instituto de Pesquisa Aviária (IAR) na Alemanha, investigam mecanismos mais plausíveis. Estudos indicam que 95% das aves migratórias viajam à noite, sem orientação parental, sugerindo que parte dessa habilidade é herdada geneticamente.
A principal teoria atual envolve um fenômeno da mecânica quântica: a detecção do campo magnético terrestre por meio de proteínas chamadas criptocromos, presentes nos olhos das aves.
Em 1978, o biofísico Klaus Schulten propôs que a navegação aviária poderia estar ligada ao “efeito de par radical”, um processo no qual elétrons desemparelhados em moléculas sensíveis à luz reagem ao magnetismo terrestre. Esse mecanismo foi posteriormente associado ao criptocromo 4, uma proteína encontrada em aves migratórias como os tordos.
Em 2021, Peter Hore, professor de química na Universidade de Oxford, e sua equipe compararam o criptocromo 4 de tordos (migratórios) com o de galinhas (não migratórias). Os resultados foram reveladores: a proteína das aves migratórias apresentava sensibilidade magnética significativamente maior, reforçando a hipótese do efeito quântico.
Mas há um limite para o quão sensível esse sistema pode ser. Iannis Kominis, da Universidade de Creta, demonstrou que a evolução esbarra em barreiras quânticas fundamentais, como o princípio da incerteza de Heisenberg, que restringe a precisão com que um organismo pode detectar campos magnéticos.
“A natureza parece ter desenvolvido tecnologia quântica antes de nós”, diz Kominis. “Ela otimizou esse mecanismo ao limite do possível.”
Outro achado intrigante é que aves podem se perder devido a interferências eletromagnéticas urbanas. Estudos liderados por Henrik Mouritsen (Universidade de Oldenburg) mostraram que tordos expostos a ruídos artificiais — mesmo em níveis abaixo do esperado — ficam desorientados. Testes comportamentais ainda estão em andamento para entender melhor essas frequências disruptivas.
Embora ainda haja perguntas em aberto — como a ausência de criptocromo 4 em algumas aves migratórias, como os tiranos —, as evidências apontam para um sistema de navegação quântica biologicamente aprimorado.
“O termo ‘cérebro de pássaro’ costumava ser um insulto”, brinca Hore. “Agora, vejo como um elogio.”
Se confirmado, esse mecanismo representaria uma das mais sofisticadas adaptações evolutivas conhecidas — um GPS natural, operando em escala quântica, dentro dos olhos de criaturas que cruzam continentes com precisão milimétrica.