As aves estão entre os organismos que mais rapidamente respondem às transformações no clima do planeta. Seus deslocamentos, comportamentos e taxas de sobrevivência funcionam como um termômetro da saúde dos ecossistemas. E o recado que elas têm dado é preocupante.
Dados apresentados pelo diretor da SAVE Brasil, Pedro F. Develey, durante o Avistar 2025, mostram que o aumento da temperatura global já afeta diretamente populações de aves no Brasil e no mundo.
A constatação mais alarmante vem de um estudo publicado neste ano com base em dados coletados durante 27 anos em uma área preservada da Amazônia Central. O trabalho foi conduzido no Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF), a cerca de 80 km de Manaus (AM), e envolveu mais de 4 mil indivíduos de 29 espécies.
Segundo ele, foi registrada uma redução de 63% na taxa de sobrevivência de aves do bioma nas estações secas mais quentes. Além disso, o aumento de apenas 1°C na temperatura média durante a estação seca reduziu em quase dois terços a taxa de sobrevivência de espécies do sub-bosque da floresta tropical.
Segundo Giovanna Bonilha, bióloga da equipe da SAVE Brasil, o fato de esses impactos ocorrerem em uma área sem interferência humana direta mostra que os efeitos da crise climática ultrapassam até mesmo barreiras de conservação bem-sucedidas.
Se o cenário continuar o mesmo ou piorar, a maioria das espécies de aves deverá sofrer redução em sua distribuição, aumentando o risco de extinção, interações entre espécies podem ser interrompidas e as ameaças atuais, incluindo condições climáticas extremas e doenças, serão exacerbadas.
Espécies de montanha e biomas exclusivos correm maior risco
Aves que habitam regiões montanhosas, como a Mata Atlântica de altitude, estão entre as mais vulneráveis. “O aumento das temperaturas empurra as aves para regiões mais altas. As que já vivem nesses topos de montanha acabam ficando sem área de refúgio”, explica a bióloga.
A ameaça se estende também a aves endêmicas de biomas como a Caatinga, o Cerrado e a própria Mata Atlântica. Essas espécies, por estarem restritas a ambientes específicos, têm menos capacidade de migração e adaptação.
Um estudo de 2020 prevê perdas significativas na área de distribuição de aves do Cerrado até 2050, considerando os efeitos combinados das mudanças climáticas e do desmatamento.
Na Caatinga, a previsão é de eventos extremos mais prolongados, como secas intensas, que afetam principalmente espécies polinizadoras. Já na Mata Atlântica, a fragmentação histórica se soma à crise climática, comprometendo ainda mais a oferta de alimento e microhabitats essenciais para muitas aves.
Caminhos para a proteção
Apesar do cenário desafiador, existem estratégias eficazes para reduzir os impactos das mudanças climáticas sobre as aves. A SAVE Brasil tem atuado em diversas frentes, com ações práticas que aliam conservação, ciência e engajamento comunitário. Entre as iniciativas estão:
- Reintrodução da jacutinga, uma importante dispersora de sementes da Mata Atlântica;
- Apoio à criação de Unidades de Conservação;
- Restauração florestal em São Paulo, Pernambuco e Alagoas;
- Proteção de habitats em reservas como a RPPN Pedra D’Antas (PE) e a Reserva Natural Rolinha-do-planalto (MG);
- Promoção da ciência cidadã, conectando pessoas e natureza;
- Integração da produção rural com a conservação, especialmente nos campos nativos do Pampa.
A restauração florestal, segundo Giovanna, é uma das soluções mais promissoras. “Existe uma perspectiva de reversão parcial desse quadro de ameaças às aves quanto às mudanças climáticas, embora seja um desafio complexo e dependa de ações coordenadas e em larga escala em diversas frentes”, ressalta.
Segundo ela, a restauração florestal pode ajudar a reverter o quadro de ameaças ao proporcionar:
- Mitigação das mudanças climáticas: florestas restauradas absorvem CO₂ da atmosfera, ajudando a frear o aquecimento global e reduzir eventos extremos como secas e ondas de calor;
- Criação e conexão de habitats: a restauração cria novos habitats e corredores ecológicos, permitindo que aves se desloquem e encontrem refúgios climáticos;
- Melhora do microclima: áreas restauradas oferecem sombra e umidade, criando microambientes mais frescos e úmidos para aves em regiões secas e quentes;
- Aumento da disponibilidade de recursos: plantas nativas restauradas fornecem alimento e locais de nidificação, favorecendo a reprodução e sobrevivência das aves;
- Aumento da resiliência dos ecossistemas: ecossistemas restaurados são mais diversos e estruturados, o que os torna mais capazes de suportar e se adaptar a mudanças climáticas.
As aves como sentinelas
Para a SAVE Brasil e outras organizações voltadas à conservação, as aves são mensageiras das transformações ambientais. Seus movimentos, comportamentos e declínios populacionais não apenas indicam mudanças em curso, como também alertam para os riscos que toda a biodiversidade (incluindo os próprios seres humanos) pode enfrentar.
A ONG atua há mais de duas décadas na conservação das aves brasileiras e é representante oficial da BirdLife International no país. Atualmente, seus programas estão presentes em nove estados brasileiros.
Fonte: G1