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PERDA DE HABITAT

Avanço do mar na costa da Amazônia reduz habitat para aves migratórias, mostra pesquisa

Novas áreas de maré não oferecem as condições necessárias para alimentação desses pássaros

11 de julho de 2025
Ramana Rech
5 min. de leitura
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O pássaro maçarico-rasteirinho (Calidris pusilla). Foto: Wikimedia Commons

Em um pequeno avião a cerca de 50 metros de altitude —pouco acima do nível das árvores—, os pesquisadores Carlos David Santos e Danielle Paludo contaram as aves que voavam, cada um em uma janela, enquanto a máquina percorreu 630 km na costa da amazônia.

Os esforços fizeram parte da atualização de dados sobre a presença de aves na região e ocorreram de 2018 a 2020. Alguns dos maiores sobrevoos cobriram desde o Amapá até o Rio Grande do Norte.

Durante a contagem, os pesquisadores notaram uma queda no número de aves migratórias.

O litoral norte brasileiro é considerado uma das principais áreas de invernada para essas aves no Brasil. Das 80 mil contadas pelos pesquisadores, 91% delas era o maçarico-rasteirinho (Calidris pusilla), uma pequena ave migratória que vem do Ártico e viaja até a Patagônia.

A queda no número de pássaros motivou um estudo para entender o que estava acontecendo. As aves migratórias têm grande sensibilidade a problemas ambientais, por dependerem de mais de um ecossistema.

A costa do Amapá, por sua vez, é uma área preservada, com pouca ocupação humana e que conta com três unidades de conservação federais importantes: Parque Nacional do Cabo Orange, Estação Ecológica Maracá-Jipióca e Reserva Biológica do Lago Piratuba.

Entretanto, a região não está livre do avanço do mar, o que tem alterado ambientes onde aves migratórias buscam alimento. Os resultados foram publicados na revista Environmental Research Letters. Faltam estudos para quantificar a relação entre a queda na população desses pássaros e a transgressão marinha.

O avanço do nível do mar é uma das principais consequências das mudanças climáticas, e a costa do Amapá é particularmente vulnerável a esse efeito em razão de sua baixa elevação.

Depois de comparar os dados obtidos nos sobrevoos recentes com outros realizados nos anos 1980, os autores do artigo foram até os trechos do litoral com maior presença dos pássaros para detectar que invertebrados havia ali e dos quais as aves se alimentavam.

Os cientistas também compararam imagens de satélites recentes e puderam notar os efeitos da erosão e o avanço do mar. Eles observaram que, de 1985 a 2020, as áreas de inundação de maré tiveram uma expansão de 6%.

Perto do Equador, a variação do nível de maré é maior. E o aumento do nível do mar tem dado força às marés altas, além de elevado a ocorrência de ressacas e tempestades. A erosão resultante desse processo pode ser vista em imagens de satélites e por meio de árvores caídas nos manguezais, conta a oceanógrafa Danielle Paludo, analista do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).

Os maçaricos-rasteirinhos se alimentam de invertebrados, como crustáceos e moluscos, e os encontram em bancos de areia e de lama em zonas entremarés, áreas submersas na maré alta e expostas na maré baixa.

Com o mar tomando parte da área usada pelas aves, a esperança era de que o avanço da maré criasse, em direção ao interior, zonas que fossem favoráveis à alimentação dos animais. Mas os pesquisadores notaram nos sobrevoos que as aves evitavam as áreas que haviam sido invadidas pelo mar.

“Esse não é um ambiente estabilizado que permita ter essa macrofauna da qual eles [pássaros] se alimentam”, diz Danielle.

Outro autor do estudo, Carlos David Santos, professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa mas que, na época do estudo, lecionava na UFPA (Universidade Federal do Pará), conta que as condições dessas novas zonas entremarés não serão as mesmas que as tradicionais.

Um dos motivos que explicam a diferença é o tipo de sedimento, de origem terrestre e maior compactação. Isso levanta questionamentos sobre a viabilidade dessas regiões em atrair os invertebrados predados pelas aves.

Santos avalia que os locais ainda podem se tornar zonas entremarés comuns, “mas o que a gente sabe é que essas áreas já foram tomadas pelo mar, pelo menos há 30 anos, e elas não são idênticas às áreas que as aves precisam para se alimentar”.

Durante a estadia dos maçariquinhos na costa brasileira, comer bem e acumular energia é essencial para a rota exaustiva dos animais. Ao percorrer longas distâncias, os pássaros chegam quase ao limite do corpo.

“Quando essas aves finalmente param em um destino intermediário da sua migração, se não conseguirem recuperar esse esforço muito rapidamente, ficam sem condições para completar a migração”, diz Santos.

Para o professor Marcos Pérsio Dantas Santos, do programa de pós-graduação em ecologia da UFPA, que não fez parte do estudo, a pesquisa confirma que as mudanças climáticas resultarão na perda de habitat para os animais.

No pior cenário projetado pelo IPCC (painel científico da ONU), o nível do mar pode aumentar de 1 a 2 metros até 2100, o que significa a perda de toda a atual linha costeira brasileira. “O que vai acontecer é que vão surgir novos ambientes. Esses novos ambientes não são adequados para as espécies”, explica Pérsio.

Fonte: Folha de S.Paulo

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