Enquanto se prepara para receber a COP30, o Pará emite Autorizações de Supressão de Vegetação (ASVs) municipais que deveriam ser usadas apenas em áreas já degradadas antes de 2008 para áreas de floresta primária, dando ares de legalidade para crimes ambientais e mascarando desmatamentos ilegais, reportou a Agência Pública.
Uma investigação do Center for Climate Crime Analysis (CCCA) revelou que municípios paraenses têm emitido ASVs sem fiscalização adequada, facilitando a destruição de vegetação nativa. O estudo, encaminhado ao Ministério Público Federal (MPF), aponta que essas licenças servem para “lavagem” de desmatamentos recentes, burlando o Código Florestal.
A análise do CCCA identificou seis casos em que ASVs foram concedidas configurando ilegalidade dupla – o desmatamento em si e a licença fraudulenta que o legitima. A prática sugere uma estratégia organizada para “legalizar” a devastação, com a conivência de governos locais.
A investigação surgiu após defensores de acusados de desmatamento usarem ASVs municipais para justificar crimes ambientais em ações judiciais. Em um dos casos, imagens de satélite comprovaram que a área desmatada tinha vegetação primária após 2008, invalidando a licença. No entanto, a falta de dados públicos sobre as licenças dificulta a apuração da real dimensão do problema.
Apesar da lei exigir critérios rigorosos, a fiscalização é frágil, e muitos municípios sequer disponibilizam informações sobre as licenças concedidas. Quando solicitadas via Lei de Acesso à Informação, as prefeituras alegam falta de estrutura ou ignoram os pedidos.
Mas as estratégias para fraudar registros de propriedades em território amazônico não param por aí. Uma radiografia inédita nos registros do Cadastro Ambiental Rural (CAR) feita pelo Serviço Florestal Brasileiro (SFB), a pedido de O Globo, revelou a existência de 140 milhões de hectares com sobreposição de imóveis rurais na região.
Entre os mecanismos utilizados para evitar a responsabilização direta, estão a inclusão de dados falsos, o registro de várias propriedades em um mesmo local (os chamados “prédios de fazendas”), a redução do tamanho real de imóveis para ocultar o desmatamento, cadastros em nome de laranjas, uso de CPFs falsos, e até registros em áreas fluviais distantes do terreno real.
Na Amazônia os títulos de terra corretos são escassos, levando o CAR a ser usado como documento fundiário em negociações envolvendo terras públicas. Esse processo permite que grileiros declarem áreas da União como próprias e as vendam ilegalmente.
Recentemente, a Justiça Federal do Pará ordenou a invalidação de cadastros sobrepostos à Floresta Nacional do Jamanxim, resultado da atuação de organizações voltadas à grilagem de terras públicas. O IPAM identificou três fazendas ilegais de mais de 6.300 hectares na área. Na última semana, o Supremo Tribunal Federal determinou que estados da Amazônia Legal e a União elaborem um plano para cancelar registros irregulares, com nova reunião marcada para 13 de maio.
De acordo com recente estudo da Nature Reviews Earth & Environment, 86% do desmatamento global ocorrido entre 2001 e 2022 pode ser atribuído à produção agrícola (mais especificamente à monocultura de soja) e à pecuária. São exatamente esses os fatores de maior pressão sobre os ecossistemas da Amazônia ocupada de forma irregular.
Fonte: ClimaInfo