Por Maria José Fermi
Tradução por Humberto Valenzuela (da Redação-Peru)
Uma mulher pequena passa pelas árvores do Parque Central (antigo Parque Kennedy) do bairro de Miraflores, no Peru. Se move muito rápido para ter duas enormes bolsas em cada braço. Enquanto ela chega a uma das árvores, um grupo de felinos cruza o campo, salta as flores e corre até onde ela está. Sabem que chegou a hora de comer. Mariana vai religiosamente, há 16 anos, cinco vezes por semana, dar de comer às dezenas de gatos que têm como lar um dos mais populares parques de Lima. Ela mora no bairro de Surco e entre preparar o alimento, subir à van, repartir a comida, recolher os pratos e voltar para a sua casa, faz um total de sete horas diárias dedicadas aos felinos. Ninguém a obriga, ela faz isso por amor aos animais.
Quando uma outra protetora chamada Charo aparece, os gatos correm até ela e se acercam sem temor. A senhora lhes dá de comer desde 2004. Desde quase essa data, também, ela se juntou com outras pessoas e formaram um grupo de ajuda. Atualmente são 14 integrantes que se alternam para lhes dar de comer, coletar dinheiro para as vacinas, comprimidos e até para as operações. Nem Mariana nem Charo são os verdadeiros nomes dessas mulheres, que preferem manter-se no anonimato, pois têm medo de represálias das pessoas que não concordam com as suas atividades.
Inplicância dos vizinhos
Não se sabe com certeza como chegaram esses inquilinos às árvores do Parque Central de Miraflores. Há quem diga que uma mulher abandonou uma gata grávida, e que, a partir desse momento, se reproduziram. Outros afirmam que foram os padres da paróquia Virgem Milagrosa (localizada no meio do parque) os que deixaram os gatos ali para que espantar os ratos que começaram a povoar o lugar. O que é verdade é que os gatos estão ali faz mais de vinte anos (segundo calculam os vizinhos que vivem há mais tempo no bairro).
Mas assim como tem quem se preocupe com os felinos e os proteja, há quem os persiga. Nos grupos conhecidos da Internet Miraflorinos e Vecinos (Vizinhos) Miraflorinos, as discussões sobre o que fazer com os gatos do parque são o pão de cada dia. “Os gatos são animais muito bonitos mas devem ser vacinados, pode haver uma grave problema de saúde”, escreve um vizinho. “Não é possível que esses gatos estejam brigando no meio do parque quando nossos filhos brincam. O parque é um foco de bactérias”, diz um outro vizinho, avesso à presença dos bichanos.
Há quem argumente que os gatos ajudam a criar uma imagem desordenada e descuidada no Parque Central. “Os gatos são uma praga que suja a área”, reclamam alguns moradores, intolerantes à inofensiva população de felinos.
Alguns vizinhos implicam com os animais alegando que eles poderiam transmitir doenças. A veterinária Alicia Rubio esclarece: “Não tem como alguém se contagiar pelo ar; não somente tem que haver um contato direto mas também (a pessoa) tem que ingerir o parasito”. A maioria desses parasitos não gera nenhum tipo de doença nas pessoas, pois nós geramos nossos próprios anticorpos.
A primeira recomendação de Rubio é dar aos felinos do Parque Central alimento balanceado. “Está comprovado que a maior causa de contágio desta doença nos humanos é pelo consumo de carne e não pelo contato com os felinos, explica. “Lavar as mãos quando chegar em casa é suficiente para que não aconteça nada”.
Os vizinhos organizados que estão a favor destes animais têm desvermifugado, vacinado e esterilizado dezenas de gatos. O dinheiro para operar aos felinos e esterilizá-los sai de seus bolsos. Graças a um convênio com uma jovem veterinária que também deseja fazer algo pelos gatos do parque, estes são operados a um custo baixo. “Alguns são difíceis de agarrar e não se deixam nem seduzir com comida”, diz a doutora Ana, quem também prefere o anonimato.
A cada semana, entre dois e três felinos, são capturados e levados para a sua clínica. Ali, os animais se recuperam da cirurgia para depois ser retornados à zona de onde foram recolhidos. Esta técnica, conhecida como Trap-Neuter-Return (pegar-esterilizar-devolver), é feita no mundo inteiro para controlar as populações de gatos abandonados nas ruas.
Refúgio e limpeza
As pessoas que criticam a presença dos gatos no Parque Central dirigem as suas queixas, na maioria das vezes, às autoridades de Miraflores, que têm idealizado formas de apoiar o bem-estar dos felinos e, além disso, tranquilizar os vizinhos. “O Parque Kennedy é limpo todos os dias, às 6h30 da manhã e entre as 10h30 e a meia-noite”, explica Natalia Gordillo, gerente de Desenvolvimento Social. “Somos conscientes de que os gatinhos moram ali, tomamos todos os cuidados para manter o local limpo”.
Outro dos trabalhos que faz o município é supervisionar a iniciativa dos vizinhos que desvermifugam, vacinam e operam aos gatos.
Não ao abandono
Mais do que entrar na eterna discussão se os gatos deveriam estar ou não no parque, o problema real é o controle sobre o número de animais abandonados no parque. Não se conhecem números oficiais, mas dentro dos 22 mil metros quadrados que o Parque Central tem há entre 60 e 80 gatos. A situação atual é manejável, mas, em função da crescente população de gatos habitando o local, pode fugir do controle. Inclusive tem havido casos de pessoas que deixam seus gatos no parque porque simplesmente não os querem mais como animais de estimação. “Nós encontramos até gatas grávidas ou ninhadas de recém-nascidos”, conta Mariana.
“Da mesma forma que existem cartazes em todo o parque advertindo das multas por não recolher as fezes dos animais de estimação, o mesmo deveria acontecer com quem abandona seus animais”, diz Charo. A Brigada de Guarda Responsável de Animais de Estimação tem sido criada pela administração local para controlar esse tipo de problemas.
Conforme defende a protetora Charo, multar os tutores irresponsáveis por abandonar os pobres animais no parque seria uma forma de conscientizar a população sobre os maus-tratos e ao mesmo tempo minimizar essa prática criminosa que é o abandono de animais.
Fonte: Revista “Somos” N° 1213, 6.3.2010